- Isso mesmo, Mister Graaf, coma tudo. -Celine dizia ao gato, neste momento, estava satisfeita com a exibição de gulodice dele.
Havia misturado gotas do calmante, que o veterinário havia receitado, ao petisco que ele mais gostava. Mister Graaf ficava muito nervoso dentro do carro e não bastava prendê-lo na caixa, tinha que sedá-lo, isso se não quisesse passar umas boas horas sendo vitima de seus surtos psicóticos. A coisa toda era um verdadeiro show. Enquanto esperava pelo efeito do calmante, aproveitou para conferir sua lista uma última vez. Haviam alugado o apartamento com a mobília, isso, no momento, significava que todos os seus bens cabiam dentro daquele carro, o que soava bastante deprimente. Possuía apenas algumas caixas com livros, poucos objetos de estimação e as malas. E mesmo assim estava um pouco arrependida por estar levando tudo, já que boa parte daquelas roupas não usava; só eram a consequência dos anos de convivência com Bianca. Depois de checar tudo e trazer a mala maior para o banco da frente para distribuir melhor o peso dentro do carro, ela encontrou o bichano apagado, dormindo sobre uma caixa de papelão como se estivesse morto. Celine recolheu o corpo amolecido com a consciência um pouco culpada e o depositou cuidadosamente na caixa, trancando depois a portinhola. Estava feito.
Antes de sair do estacionamento, ela escolhe algo tranquilo para ouvir. Estava sendo estranho sair do prédio àquela hora da tarde, carregando uma mudança inteira no porta-malas do carro. Não estava saindo para um fim de semana apenas, estava indo embora mesmo. Mais uma cidade, em breve um lugar totalmente novo, que ela teria de se acostumar. Era como sua vida vinha sendo desde que a mãe morrera em um acidente de carro. Naquela época, ela era apenas uma menininha vendo sua vidinha perfeita desmoronando tão rápido quanto um castelo de cartas. E por mais que ela tentasse amontoar um pouco daquilo tudo para enfiar dentro da mala, seu pai não permitiu muita coisa. Apenas uma boneca, alguns livros de historinhas e as roupas preparadas pela tia em uma grande mala. Essa fora sua primeira mudança. Da mãe, só houve um retrato, a roupa de dormir que ainda estava sob o travesseiro e três romances do criado mudo. A morte dela tinha sido tão devastadora e dolorosa para seu pai que ele quis deixar tudo para trás, menos de um mês depois do ocorrido.
Seu pai era um inglês do condado de Essex, mas saíram do Brasil para ir morar na Geórgia, Estados Unidos, onde ele havia conseguido uma vaga como treinador de esportes em uma escola de ensino médio. Ela e um pai melancólico, perdidos em uma cidade hostil; completamente sozinhos. A escola nova era surpreendentemente mais avançada (o que já era motivo de stress), em casa, nas poucas horas que tinham a sós, apenas assistiam à TV, em silêncio. Comiam comida congelada e aos domingos iam à missa. A igreja foi o único lazer que tiveram durante aqueles tempos. E foi de lá que surgiu Melinda. Depois de quase um ano assistindo seu pai lambendo as feridas em silêncio, ela mesma sem saber como se esquecer da mãe, do lar amoroso e aconchegante que tinham antes, viu naquela mulher um sopro de esperança. Motivo de muitas preces de agradecimento, num tempo em que ela ainda acreditava que rezar resolvia alguma coisa.
A vida começava a ficar boa novamente. Uma nova mãe, comida caseira, um lar perfeitamente organizado, e o melhor de tudo: o pai sorrindo. Ela e Melinda se deram razoavelmente bem naquela época. Isso até a irmã nascer um par de anos depois. Daí tudo ruiu de novo. Não demorou muito, ela estava de malas prontas novamente.
Mas Cambridge tinha sido bom, libertador, quase sete anos de sua vida. No início, se sentiu desconectada daquele clima de festa e bebedeira, só tinha quatorze anos de idade, além de ser bem mais jovem do que o outros, não havia tido nenhum preparo para lidar com a nova realidade. Tinha medo de tudo, estava sozinha no mundo pela primeira vez. Mas não por muito tempo, logo conhecera Bianca. Nos primeiros quatro anos, dividiram alojamento na universidade, depois o apartamento. Bianca havia se tornado sua amiga por pura obstinação, porque havia decidido que seria assim. Bianca a protegeu como uma irmã mais velha faria, foi mostrando aquele mundo para ela aos poucos. Soube respeitar seus limites. Isso as uniu numa espécie de irmandade. Sempre que Celine pensava nisso se sentia grata por ter permitido que Bianca entrasse em sua vida, apensar do desconforto que sentia em relação as pessoas. Passar todos aqueles anos sozinha, como planejara fazer, seria penoso além do que qualquer ser humano deveria suportar.
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O segredo de Celine - Livro 1 da série Dionísio
Dragoste- Gosto de fazer parte de seus segredos, perla... Ele disse, provocativamente. Será que aquele maldito italiano seria capaz de por tudo a perder apenas para acariciar seu ego sórdido de conquistador? Uma carreira meticulosamente planejada indo água...