O que acontece no próximo livro

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Mister Graaf brincava com a ponta da cortina e isso fazia com que um floco de luz percorresse a pele dele. Era uma dança curiosa, de um lado para o outro, às vezes um frenético rodopio e a luz se expandia. E lá estava, de novo, o pequeno floco. Celine havia levantado cedo naquela manhã para alimentar o gato. Não permitiu que ele acordasse Antonio com sua série de miados lamurientos. Agora, em relação à luz que entrava pelo voal da cortina, ela se sentia incapaz de detê-la. Estava em um profundo estado de encantamento com o recital da pequena odalisca pirilâmpica. Aquele homem seria seu marido.

Marido...

Quem diria? Havia passado grande parte da vida evitando que algo assim acontecesse. E lá estava ela, extasiada com a ideia. Há quatro meses, quando fugira do hotel de Monte Carlo, acreditando que Antonio planejava forçá-la a um aborto, fora movida pelo medo. Teve tanto medo de se apaixonar, de ter sua felicidade atrelada à vida de outra pessoa, que foi capaz de atribuir um caráter tão ruim a ele. Mas Antonio queria o bebê, queria muito. Ela pôde entender isso muito bem na noite passada. Fora assombrosa a expressão de alívio que ele fez quando constatou que ela ainda estava grávida. E depois a forma como fizeram amor, o cuidado, a reverência àquele leve arredondamento em seu ventre, foi... hum, comovente... E a última coisa que ele fez antes de dormir? Conversou com o filho. Em italiano, daquele mesmo jeito carinhoso que usava com ela. "Tuo padre è qui, mio bambino". Uma pequena frase que ela fora capaz de entender. Antonio dessa vez havia se superado, duvidava que algum dia ele conseguisse enternecê-la mais do que isso.Foi com muito custo que ela conseguiu pegar no sono, passou boas horas da madrugada acordada, deliciada com o contato morno da pele dele, com o peso da mão grande em seu ventre. Pensando em como tudo fazia sentido agora. Antonio à negócios em Nova York, justo num dia em que ela quase havia morrido de saudade. Ficou fantasiando em torno disso, de como seu amor era tão maravilhoso a ponto de atraí-lo em pensamento. Em como suas consciências foram interligadas no momento em que ela havia cruzado aquela esquina entre Huston e a Bowery. Antonio saía de um café quando, na calçada, algo o aturdiu, havia uma vibração estranha no ar, o miasma invisível de sua saudade. Quando ele procurou confuso, sem saber direito pelo o quê, lá estava ela, atravessando a rua, à poucos metros de distância. Ele havia dito que custou a acreditar no que seus olhos viam, seguiu ela de longe até a porta do prédio, isso por que não teve coragem de se aproximar o suficiente por medo de ver que cometia um engano. E quando ela parou na banca de revista, ele ficou de longe observando, sentindo um alívio tão grande que seus pés ficaram chumbados no chão. Só fora capaz de se mover minutos depois, quando ela já havia desaparecido dentro do prédio. Claro que para que ele conseguisse entrar houve um suborno, atrás de uma mentira muito mal contada, e a soma foi se avolumando a ponto de fazer com que o porteiro voltasse a colocar o telefone no gancho. Tudo bem, isso não tirava o romantismo da história, não é mesmo? Dava para entender que teve que ser assim. Nem ela saberia dizer se o teria recebido, caso o porteiro o anunciasse. A questão era que ela queria muito acreditar no amor. Que Antonio estava ali por ela e não só pelo filho. Porque ele sentiu saudades a ponto de permanecer no meio da rua, aturdido, no momento em que a viu. Queria muito acreditar que Antonio seria capaz de renunciar ao seu reinado de sedutor irresistível para se casar com ela, mesmo que não estivesse grávida.Porque Antonio a amava.Pelo menos, ela teria que se esforçar para isso, já que havia aceitado se casar com ele. Antonio, apesar da fama de cafajeste, seria sim capaz de amar a ela e ao filho, a ponto de renunciar a vida de libertino. Ele seria um bom pai, um marido exemplar. O homem da sua vida... Hum, por que é que isso soa tão improvável? Mister Graaf pulou na cama neste momento. Seu corpinho gordo foi cair em cheio na ponta do travesseiro onde Antonio dormia, despertando-o. A primeira coisa que ele fez foi esfregar o rosto. Deve ter custado a acreditar no que via, pois fez uma expressão meio atordoada. Mister Graaf sabia ser bastante intimidador quando queria. Assim que o dois se encararam, ele mostrou os dentes e fez um barulho quase ameaçador.- Dio Padre, que é questo?- É o meu gato. Você não o conheceu ontem à noite porque ele estava escondido. Mas acho que agora Mister Graaf não deve estar muito satisfeito com sua demora na casa.Antonio abriu mais os olhos e passou a estudar a estranha criatura. Nunca havia tido um animal de estimação, devido a isso não sabia direito como lidar com esse tipo de situação. Por uma estranha coincidência, o maldito gato tinha os olhos quase no mesmo tom âmbar de sua dona. Quando algo eclipsou daquele olhar desconfiado, ele teve uma alusão de como seria seu futuro dali em diante. - Nós não teremos que levar essa coisa com a gente, non é vero? - Como assim? Mister Graaf é meu gato, sou responsável por ele. - Ele está me encarando de um jeito estranho. Será que dava para tirá-lo de cima de mim? - Você não pode estar com medo de um simples gatinho. - Celine faz, retirando o gato de cima da cama. Depositou Mister Graaf no chão. - Ele só está inseguro com a presença de um homem na minha cama, logo vai estar acostumado a você. - Espero que , será desagradável ter essa bolota me espreitando pela casa. - Antonio reclama e se vira para o lado à procura do relógio. - Que horas são? Eu preciso estar em Baltimore antes do meio dia, tenho assuntos para resolver no estaleiro. Dio, são quase oito horas! Andiamo, Celine, não temos tempo a perder. Ela virou para o lado, apoiando o rosto no travesseiro que Antonio usou, sem se preocupar muito com o que ele dizia. - Como assim, andiamo?- Significa vamos, se ainda não entendeu. Temos que juntar suas coisas depressa para pegar a estrada.- Eu sei o que significa andiamo, só não entendo porque eu tenho que ir.- Porque nós vamos no casar. Eu lhe pedi e você disse sim, não se lembra?- Claro que me lembro, mas o casamento não vai ser amanhã. Eu não posso ir Antonio, ainda não. - Terá de ir, não posso deixá-la em Nova York. Perla, de agora em diante não sairá do meu lado. Nós vamos nos casar. - É claro que vamos nos casar. Antonio, não voltarei atrás, se é com isso que está preocupado. Preciso ficar em Nova York por mais alguns dias. Estou cuidado do apartamento do Marco, não posso abandonar tudo de uma hora para outra. - Arrumaremos alguém para essa tarefa, não se preocupe. - Ele afirma, abrindo a porta do armário dela. - Vejo que é não é muita coisa, deve caber no porta malas do Lincoln. Celine pula para fora da cama e se apossa da porta do closet. - Calma, eu faço isso. - Depois se vira para ele com os olhos suplicantes. -Antonio, não podemos esperar mais alguns dias? Eu não me sinto à vontade...- Niente. - Ele a interrompe. - Esses quatro meses já foram o suficiente, Celine. Não vou correr o risco. - Mas eu já disse que não voltarei atrás em relação ao casamento. Antonio, eu não planejo fugir de novo, só estou pedindo mais alguns dias. Tenho meus clientes, a obstetra que está acompanhado a minha gravidez... - A nossa gravidez. - Ele a corrige. - Não faz sentido continuar com o mesmo médico. Não se preocupe com isso, amore, prometo que conseguiremos o melhor obstetra de Baltimore. Quanto aos seus clientes, tenho certeza que poderá atendê-los de lá. - Mas... - Celine, - Ele volta e interrompê-la, já meio sem paciência. - Baltimore fica a menos de três horas daqui, voltaremos sempre que for necessário. Ascoltatemi, va bene? Darei algum dinheiro ao zelador para que ele cuide do apartamento. Ficará tudo bem.- Não. - Ela tornou a insistir, agarrada a porta do armário, num ato de teimosia.Antonio levantou o zíper da calça que vestia e passou a fitá-la dando sinais de sua frustração. - Celine, não discutiremos sobre isso. Ligarei para Juan agora mesmo. Então, trate de preparar suas coisas. - Juan? Vejo que você anda com esse tripulante à tira colo.- , Juan é meu homem de confiança, me serve de diversas formas. Enquanto ele dirige, aproveito o tempo no carro para trabalhar. - Celine continuava a fazer careta. - Você vai se a costumar com ele, não se preocupe. Juan tem treinamento militar, é um ótimo segurança.A lembrança daquele homem seguindo-a pela cidade empedernida por Vesúvio zombou dela por alguns instantes. Celine já estava vendo sua liberdade engolida pelos ciúmes egocêntricos de Antonio. Incapaz de se conter, ela o desafiou:

- Espero que a vigilância desse homem não se estenda até a mim.

Antonio, no entanto, murmurou qualquer coisa em italiano e deu-lhe as costas, deixando claro que aquela discussão não se encerraria sob a sua vontade. Celine suspirou, desanimada. O casamento começava.

Onde é que ela estava se metendo, afinal? Como seria sua vida ao lado daquele homem extremamente ciumento e controlador? O quanto da sua vontade ficaria condicionada as necessidades e a vontade dele? Não, não devo começar com pessimismo. Celine se ordenou, apesar da onda de ansiedade. Mas ela sentia muito medo de não se acostumar com excessos de controle de Antonio, já fazia muito tempo que era a única gestora de sua própria vida, e gostaria muito que as coisas permanecessem deste modo. Assim mesmo, ela estava disposta a tentar e a se esforçar para que o casamento deles desse certo, para o bem do filho, que era a sua maior preocupação. Com o passar do tempo, ela encontraria um jeito de estabelecer limites. No momento, o que devia fazer era seguir Antonio rumo a essa nova vida. Determinou a si mesma, recuperando a confiança no futuro.

Para alguém que não gostava de mudanças, lá estava ela, de malas prontas novamente, depois de míseros quatro meses de Nova York.

Voltou a abrir a porta do armário, retirou a mala. Enquanto dobrava as roupas, ouvia a conversa de Antonio ao celular. Primeiro com Juan, ordenando que ele viesse encontrá-lo na frente do prédio. "Onde Celine mora", essa foi a única especificação que ele deu. Antonio sabia mesmo como ser mandão. Como o coitado do Juan conseguiria chegar até ali, sem ao menos saber o nome do edifício? Pensou em ir até lá avisá-lo disso, mas Antonio já estava em outra ligação. Falou padre algumas vezes, então ela achou que ele estava falando com o próprio pai e não quis interromper. Seu nome também surgiu na conversa, e isso foi um pouco embaraçoso. Ficou se perguntando se os pais de Antonio já iam ser avisados sobre a gravidez.

Ah, não...Valentina!

Lembrar-se da mãe de Antonio, do alto de seus um metro e noventa, perscrutando-a com seus olhos penetrantes e intimidadores, fez seu coração gelar.

Celine se deu conta de que iria entrar naquele casamento, grávida! No mínimo, Valentina pensaria que ela estava dando o golpe da barriga. O que era justificável, qualquer um com um mínimo de malícia pensaria o mesmo, afinal, ela não possuía fortuna, uma família influente. Absolutamente nada que a aproximasse da estirpe daquela gente, absolutamente nada que pudesse protegê-la dos comentários maldosos.

Celine fora criada na Geórgia, um estado conhecido pelo seu puritanismo, e sob a influência de uma madrasta crítica e castradora. O que fez aflorar nela uma preocupação excessiva com a opinião das pessoas. Um empecilho à sua felicidade conjugal se afiançava na ligação que Antonio fazia para o pai. Como ela enfrentaria os futuros sogros, o casamento, numa situação daquelas?

O segredo de Celine - Livro 1 da série DionísioOnde histórias criam vida. Descubra agora