8. Gatunos

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Nas densas florestas aos nordeste do ducado, afastado cem metros da estrada quilométrica que levava à Lançaria, capital do reino, um pequeno acampamento fora armado sob as árvores. Ao redor da modesta fogueira estavam reunidos quatro homens e três Frelen. O maior dos felinos, provavelmente o líder, tinha feições e características semelhantes às de um guepardo, como pelos amarelos, manchas pretas espalhadas pelo corpo e rosto e olhos pequenos e escuros. Vestia roupas escuras, tendo sob elas um peitoral de couro que muito provavelmente não o defenderia de um bom corte de espada. Na cintura carregava um cinto com duas bainhas portando facas de caça roubadas pouco depois do sol nascer. Outras armas semelhantes eram visíveis entre o grupo, além de espadas bastardas velhas em bainhas nas costas
— E então, Raindar, pode dizer o que descobriu na cidadela? — Perguntou o líder. A voz era grave e controlada.
— A notícia do assalto está se espalhando. — Respondeu o tal Raindar, um segundo Frelen, de pelos beges. O menor entre os membros do bando. — A cidadela é calma, todos ficaram surpresos. Teremos que tomar mais cuidado daqui para frente.
— Isso sempre acontece, idiota, e normalmente nós nunca damos atenção. E os testes?
— Ah, os testes, claro. Os...
— É bom dizer que passou. Viemos para este fim de mundo apenas por isso.
— Quanto à isso não tive problemas, senhor. Os treinos começam amanhã cedo.
— Sua única função é se sair bem para poder acabar com aquele Duque. Se for dispensado, partirei você em dois.
— Eu sei, senhor, prometo não decepcioná-lo.
— Ótimo. — Virou-se para os outros companheiros de roubo ao redor. — Bom, homens, soube que existe apenas uma forja na cidade, e que o anão proprietário é um ferreiro inigualável. Estive pensando em começar nossa campanha por lá enquanto Raindar cumpre as ordens da chefia. O que vocês acham?
— Depende apenas da segurança da região. — Um homem respondeu.
— Se a forja fica longe do castelo, naturalmente os vigias rondam as ruas em frequência e número padrão. Então, sem problemas. — Completou outro.
— Vocês estão aprendendo. — O Frelen maior arqueou um sorriso, repleto de dentes pontiagudos. — Sim, ela fica afastada do castelo. E pelo visto, nem preciso perguntar se estão de acordo. — Todos do grupo se entreolharam e assentiram. — Agora vão caçar algo para comermos. Carne, de preferência; estou morrendo de fome. E, Raindar, tome estas moedas e vá reconhecer os perímetros da forja. Compre uma faca, adaga, qualquer coisa assim para disfarçar.
— Sim, senhor. — O Frelen estendeu a mão em forma de concha e três círculos dourados lhe foram dados. Assentiu para os demais, pôs as peças no cinto e se foi, correndo de pé por alguns segundos até seguir nas quatro patas.

A maioria das adagas ficaram prontas. Bago e Kira pareciam se dar bem de novo e o clima ficava menos tenso. O rapaz decidiu voltar para cima, mas, quando subia o quarto degrau, um cliente adentrou a forja.
Era um Frelen pequeno, talvez jovem, e parecia desconfiado.
— Sim? — O atendeu, dando meia-volta e aproximando-se.
— Gostaria adquirir uma faca, sairia muito caro?
— Ora, depende da faca. — Franziu o cenho discretamente.
— Estou com certa pressa, então... Bom...
— Também temos adagas, punhais... — Tentou ajudá-lo.
— Uma adaga! Isso, uma adaga seria perfeita.
— Então, gostaria de ver nosso mostruário?
— M-Mostruário?
— Assim o senhor terá uma ideia do formato que quer.
— Bom, então vamos ver.
Kira fez um gesto para que o cliente o seguisse. Olhou para os grandes baús sob a bancada de acabamento e puxou um deles. Ergueu seu tampo revelando dezenas de armas pequenas dos mais diversos tipos, cujas lâminas tinham em média de dez à quinze centímetros.
Os olhos do Frelen brilharam e ele tentou esconder sua animação. Como todo ladrão, seu desejo era agarrar aquele baú e correr, mas teve de conter-se.
— Senhor? — Kira o acordou do transe.
— Ah, esta aqui. — Puxou uma adaga qualquer. Analisou-a fingindo interesse. — É dela que preciso. Quanto custa?
— Apenas uma...
— Três escudos de ouro, gato. — Bago interveio, sério, de braços cruzados atrás do Frelen. Ele assustou-se e virou-se no meio do pulo.
— A-Ah, creio que esteja no preço certo. — Disse com um sorriso nervoso. Puxou as moedas do cinto. — Aqui está, contado.
Bago pegou-as.
— Obrigado e passar bem. — Dispensou.
— Eu que agradeço. — E se foi com pressa.
Assim que o felino deixou a forja, Bago aproximou-se de Kira. Pousou a mão em seu ombro, mesmo tendoque se esticar um pouco, e o puxou para mais perto.
— Percebeu?
— É, eu estranhei — O rapaz concordou. — Estava nervoso até demais.
— Lembra do grupo de bandidos?
— Sim. Acha que esse é o Frelen líder deles?
— Atrapalhado e nervoso desse jeito, não passa de um capanga. O bando deve estar planejando algo com relação às está região.
— Isso não é bom...
— E você vai e mostra nosso baú de armas!
— O quê? Queria que eu adivinhasse?
— Acho melhor ficarmos de olhos abertos esta noite, por precaução.
— Tudo bem. Mas... por que cobrou tanto? três moedas de ouro compram algo muito melhor.
— Exatamente. Com essa quantia é possível comprar qualquer coisa de valor considerável. É ótimo para despistar.
— E como sabe disso?
— Vivo no comércio há vários ciclos, rapaz, sei de mais coisas do que imagina. — Encerrou. Deu um tapinha em suas costas. — Pode subir se quiser, cuidamos de tudo até o fim do expediente.
O rapaz apenas assentiu e voltou para a escada.
Bago virou-se para o ferreiro mais atrás, que apenas assistia tudo.
— Se o senhor quiser, posso ficar à noite. — Se ofereceu.
— Não, Kira e eu damos conta. Sua esposa precisa mais de você. — E acrescentou. — Aliás, quero ver como esse cavaleiros se sairá.

O Bastardo da RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora