16. As Ordens

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A Rainha desceu a torre às pressas.
Era uma mulher alta e magra, de pele clara como a de alguém que raramente se encontrava com a luz do sol. Em contraste, seus cabelos negros desciam até pouco acima do quadril, lisos e volumosos.
Uma dose de misticismo rondava seu nome graças às histórias sobre ela, principalmente sobre a noite em que assassinou o Rei, um tirano corrupto e alcóolatra, atirando e acertando sua lança mágica na cabeça do nobre, precisamente à uma distância de quinze metros. Assumiu o trono como heroína, ganhando também algumas dezenas de inimigos políticos.
Não ganhara o título de Rainha das Lanças ou Libertadora à toa.
Subira na torre mais alta justamente para se isolar por um tempo, dando à si mesma um descanso merecido. Resolvera o máximo de assuntos pendentes que pôde para garantir que nada a perturbasse ou acontecesse por um bom tempo, o que foi em vão.
Enquanto descia os degraus em espiral, pensava somente nas palavras de Marraria e no filho. Como ele devia ter crescido e mudado, tendo visto seu rosto pela última vez quando ainda era um bebê. Devia estar irreconhecível.
Alguns minutos e chegou na base da escadaria, exausta e com falta de ar. A torre, como um pilar colossal e oco, ficava no topo do enorme palácio, um aglomerado de andares e torres simplesmente anexadas ou conectadas por pontes arqueadas, cuja estrutura final lembrava grosseiramente um cone: quanto mais altos, mais os andares se afinavam.
Em sua construção foram gastas toneladas de tijolos claros, que ao longo do tempo ficaram escuros e sujos. Os telhados pontudos e cônicos eram azuis, quase roxos.
Uma construção magnífica e colossal, tanto que uma corriqueira lenda popular contava que fora construída com o auxílio de dragões e mantinha-se de pé através de forças mágicas.
Quando Melindrena surgiu no fim das escadas, encontrou um corredor largo. Ainda estava praticamente no extremo topo da palácio, quase oitenta metros acima do chão. Encontrou, então, os quatro guardas instruídos à ficarem até seu retorno, dali a quatro dias.
Eles levaram um susto ao vê-la naquele estado.
— Dravaris... — Ela tentou dizer. — Chame-o... sala do trono... agora.
Apoiou-se na parede da passagem em arco. Dois homens a socorreram e os outros correram para dar as ordens.


A Rainha das Lanças foi levada à sala do trono, apenas um andar acima do chão. Demorou quase duas horas para descer as quase infinitas escadas, pensaria muito bem antes de subir até a última torre novamente.
Sentou-se no grande assento almofadado de madeira bege com grandes adornos em ouro, exaurida. Em seu alto encosto foram arrumadas dez lanças douradas apontadas para diversas direções formando uma espécie de meio círculo.
Aquele trecho do palácio, parte do alicerce dos níveis acima, era retangular, como um corredor de doze metros de largura e oito de altura, com teto arqueado e bem sustentado por grossas colunas beges, formando fileiras próximas às paredes. Entre elas, pendiam grandes bandeiras com o emblema de Lançarta, uma lança branca de duas pontas em um fundo fulvo. Um tapete de mesmo tom ia do trono até a grande porta dupla de entrada, por onde alguns minutos depois, entrou um homem alto acompanhado de dois guardas.
Aqueles que obedeceram a Rainha e foram atrás do tal Dravaris.
— Está tudo bem, senhora? — Ele parecia realmente preocupado. Vestia uma armadura pesada e completa, à exceção do elmo, adequada para seu grande porte físico. O tom de seus cabelos curtos bem cortados ficava entre o loiro e o branco, unidos à barba aparada de mesmo aspecto. A pele era clara, os olhos eram castanhos e a face tinha traços de alguém sério, que ficava bravo com frequência e facilidade. — Deixou seu retiro de descanso tão cedo. Mesmo estando tão tarde...
— A Deusa falou comigo, general.
Ele desacelerou o passo. Ficou menos preocupado de repente.
— Ah. Minha senhora...
— Falou comigo sobre algo urgente. Tenho um pedido à lhe fazer.
— Estou ouvindo.
— Preciso que encontre e me traga um garoto.
— Certo, claro. Posso procurar na cidade, que tipo de...
— Não um garoto qualquer. É mais para um rapaz, uns dezessete, dezoito ciclos de idade... cabelos pretos, olhos verdes.
— Boas características, mas ainda são vários os jovens nessa faixa de idade e tais particularidades. O que a senhora...
— Ele deve estar saindo de Carvalho Velho, indo para a guerra.
— Carvalho Velho? Nos ducados do Sul?
— Sim, general.
— Como a senhora tem certeza? Posso saber onde quer chegar?
— Tenho meus motivos, e Marraria, os dela. Você deve trazê-lo até mim.
— Bom... a Deusa disse como devo agir? — O general decidiu obedecer. Fosse qual fosse a maluquice que tinha em mente, aquela ainda era sua Rainha.
— Não. Eu mesma lhe direi o que fará.
Com um meio sorriso até assustador, Melindrena informou para o general o que ele deveria fazer na manhã seguinte.


Quinze jovens fizeram parte da vigília que guardaria o acampamento enquanto os outros dormiam. Bak decidiu descansar junto à uma fogueira, pronto e alerta para qualquer evento repentino. Mas nada de ruim aconteceu, muito provavelmente graças ao fogo. A maioria não teve uma noite tão boa de sono, e aos poucos foram acordando, uns mais cansados que outros. Principalmente com fome.
Os raios dá alvorada ainda afastavam a escuridão da noite quando Endrik despertou. Uma dor de cabeça sutil o atacou, e quando levou uma das mãos a cabeça, uma voz familiar lhe falou na mente:
"Proteja-o até que os Bravos ou eu mesma cheguem até ele."
— Minha Deusa?
Ellia, quase ao seu lado, acordou com as palavras do irmão.
Ele não ouviu mais nada em seguida.
— Algum problema? — Ela quis saber. O rapaz estava tão perplexo que levou um susto, dando um pulinho.
— Ah, desculpe se te acordei. — A moça ficou em silêncio. — Marraria fez um pedido. Não acontece já faz muito tempo...
— A Deusa? — Muitos achavam incrível e estranho o fato de uma divindade como Marraria realmente conversar com seus porta-vozes. — E o que ela pediu?
— Que protegesse alguém, até ela ou os "Bravos" chegarem.
— Bravos? Devem ser os guerreiros da Legião.
— Sim, mas é esquisito. Por que ela se incluiu?
— Você é o clérigo. Deve saber interpretar o que sua Deusa diz. — Um tanto ríspida, Ellia encerrou o assunto. Deitou-se novamente e fez silêncio. Endrik suspirou e refletiu sobre o que a Deusa de Várias Faces lhe dissera.

O Bastardo da RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora