Endrik esperou todos do grupo acordarem e deixarem as barracas. Estava mais do que na hora de organizar aquela viagem, e uma reunião era necessária.
Falou com Bak, que acordou pouco antes do sol nascer, e pediu que reunisse os cavaleiros, de mais relevância do grupo, e que fossem para sua tenda.
Kira ficou um tanto surpreso com o chamado, foi um dos primeiros que o centauro informou. Chegou na tenda acompanhado de outros cinco, e, de um em um, os treze estavam juntos ali. Apertados, mas juntos.
Bak conseguiu colocar apenas o corpo humanoide e as patas dianteiras para dentro.
— Bom que todos estão aqui. — Começou o jovem clérigo. Sua irmã, ao lado, apenas ouvia de braços cruzados. — Precisamos acertar alguns assuntos sobre nossa viagem e quero que vocês fiquem informados de tudo. Terão grandes responsabilidades a partir de agora, como meu pai queria. Serão extremamente úteis e até mesmo decisivos em algumas questões. — Os rapazes se entreolharam. — Tem algum assunto para começarmos, Bak?
— Pode ficar para o final. — Respondeu ele. — Devem haver coisas mais urgentes.
— De fato. — Endrik limpou a garganta com um pigarro. — Antes de tudo, precisamos rever bem a rota que seguiremos. Se continuarmos pela estrada real, não nos perderemos de jeito algum. Mas ela faz muitas curvas, atravessa várias cidades no Norte, e por isso pode nos atrasar. Um desvio em linha reta pela floresta, por exemplo, economizaria tempo, mas os perigos aumentariam consideravelmente por causa dos animais e, principalmente, dos animanos.
— Senhor, o próprio Duque deixou claro que deveríamos seguir pela estrada. —O centauro estranhou.
— Eu sei. Mas é bom chegarmos com certa antecedência em Ponte, assim não estaremos tão cansados e desgastados para as verdadeiras batalhas.
— Vai desobedecer papai? — Ellia perguntou. Estava tão quieta que Kira mal notou sua presença. Mas, ao prestar atenção nela e sua beleza um tanto incomum, ficou encantado. — Nunca achei que veria isso.
— Não haverá grandes problemas. Mesmo com a maioria estando à pé. — Endrik se virou para os cavaleiros. — Vocês, alguma dúvida ou questionamento?
Se olharam, mas nada disseram.
— Teremos que decidir junto aos outros, senhor, jà que envolve todos nós. — Bak tomou a frente. — Saber se eles estarão de acordo
— Tudo bem, deixaremos isso em aberto por enquanto. Próximo assunto...
— Arqueiros. — Ellia disse de repente. — Sou a única aqui que pode auxiliar vocês à distância. Posso ajudá-los, mas não sou nenhuma escrava.
— Ellia... — Reprovou seu irmão. Ela nem lhe deu ouvidos.
— Não sei por que papai não quis arqueiros no grupo, e isso pode ser um problema. — E então disse: — Deveríamos voltar e pedir a ajuda dele quanto à isso.
— Voltar?! — Endrik chegou a se assustar.
— Ainda estamos perto.
— Senhora, — Interveio Bak. — Creio que não é necessário. Temos bons lanceiros, eles servirão bem.
— Lanceiros, Bak? — Desdenhou.
— Não vou voltar e pedir ajuda logo no segundo dia!
— Foi uma sugestão minha, isso não é uma reunião?
— Está fora de questão. — O jovem encerrou. — Como ia dizendo...
— Fora de questão? Devemos debater antes. — Então, encarou os rapazes com olhos sérios. — O que acham?
Mais uma vez fizeram silêncio, porém intimidados por ela e pela situação. A maga estreitou os olhos.
— Decidido. — Seu irmão cortou. A irmã suspirou e fechou os olhos. — Sobre os mantimentos, pensei que... Algum problema, Bak?
Viu o centauro inquieto, olhando para os lados e coçando os braços.
— Era esse o assunto que queria abordar.
— Não vamos voltar, foi decidido.
— Não é sobre os arqueiros. E nada foi decidido realmente.
— Como?
— Ao invés de deixar tudo em cima desses trezes rapazes, que estão mudos até agora, por que não eleger um líder para falar por eles? — Os cavaleiros se olharam pela terceira vez, só o que fizeram até então.
— Um líder?
— Pelo menos nas próximas reuniões teremos um pouco mais de espaço. Já estou ficando nervoso. — Espaços apertados eram sinônimos de angústia para qualquer centauro, vítimas de uma espécie de claustrofobia natural.
— Causaria conflitos pôr nas mãos de um a opinião de todos.
— Não se eles mesmos escolherem um companheiro para representá-los. Alguém que confiem. Pode levar algum tempo, mas, ainda assim é uma boa coisa.
Endrik pensou um pouco. Era algo simples, mas traria certos benefícios.
— Estou com Bak. — Disse Ellia, mais para apenas ficar contra o irmão. E ele sentiu isso. — É uma boa ideia.
— Certo, certo. — O clérigo cedeu. — Vocês treze escolherão alguém para representá-los se quiserem. Entendido?
Todos assentiram.
— Agora, sobre os mantimentos? — Bak retomou o assunto.
— As carroças estão totalmente carregadas de tudo que podemos precisar, mas devemos poupar tudo ao máximo já que ficaremos um bom tempo viajando. — Olhou para Kira. — Ouvi suas marteladas ontem. Foi uma boa iniciativa, ao invés de ter usado uma armadura nova.
— Obrigado, senhor.
— Outro erro de papai. Não trazer nenhum ferreiro, e sim quatro escultores...
— Temos pouquíssimos ferreiros em Carvalho Velho, senhorita. — O rapaz se permitiu dizer. Sabia do que estava falando, ela não. — Seis em Espeto Vermelho, contando comigo. Não é raro o trabalho ficar acumulado, outro ferreiro a menos faria uma grande falta.
A maga cinza ficou em silêncio.
— Por que não se torna o nosso ferreiro?
— Ahn...
— É uma boa ideia. — Bak pousou a mão no ombro do rapaz. — Pelo menos só até chegarmos em uma cidade.
— É muito trabalho, senhores. — Odiou-se por ter abrido a boca.
— Ao menos pense na proposta, por favor. — Encerrou o clérigo. Kira apenas assentiu. — Bom, os demais temas podem esperar um pouco, eu acho. Nos reuniremos novamente em breve. Ainda temos que levantar acampamento e partir, então vamos logo.
— Sim, senhor. — Responderam em uníssono.
Bak deixou a entrada da tenda livre e os treze saíram por ela. Antes de sair, Kira olhou para a maga cinza uma última vez. Seus olhares se encontraram, olhos verdes como esmeraldas fitando olhos cinzas como fumo por dois exatos segundos.
Rapidamente ele se virou e deixou os dois Braggs à sós.
A jovem maga logo afastou-se do irmão, que pensava apenas se esquecera algo. Não queria que o grupo todo se prejudicasse apenas por causa do orgulho de seu líder. Voltar para o ducado, ainda próximo, era uma opção para ela.
Algo que faria com, ou sem, o consentimento de Endrik.
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O Bastardo da Rainha
FantasyKirart foi criado e educado pelo anão Bago Blacsmal, dono da Espeto Vermelho, a famosa forja do ducado de Carvalho Velho. Conviver com armas e ouvir histórias de guerreiros viajantes a vida inteira deixou Kira fascinado pelas campanhas militares à...