28. Sacrifício

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O odor humano ficava cada vez mais forte à medida que Rasvart aproximava-se, correndo atrás de suas vítimas.
Porém, ao chegar, enfim, onde julgava ser a origem, não encontrou nada além de árvores. Em seguida, notou que o cheiro espalhara-se, vindo de todos os lados ao mesmo tempo deixando-o incomodado e um tanto confuso. Ele desacelerou, prestando atenção nos arredores, até ver um homem, à cavalo, sair de trás de uma árvore à galope, seguindo na direção oposta à do gigante
Vinte metros era a distância entre eles.
Sedento por confronto, Pedralha mirou toda sua atenção  no cavaleiro, voltando à correr. Mais duas ou três dezenas de metros depois, escutou outros cavalos aproximando-se.
Em segundos, encontrava-se cercado por uma dezena de cavaleiros, dos quais, estranhamente, dois eram acompanhados por homens de túnicas brancas e douradas. Além de um único centauro, também presente.
Todos galopavam à toda velocidade como se estivessem tentando alcançá-lo.
E interceptá-lo.


Pedralha passou pelos guerreiros tão rápido quanto aproximou-se. Atraí-lo com Bak, Kira e os cavaleiros serviu para afastá-lo e deixar os demais à salvo por algum tempo, para, assim, seguirem caminho.
Tudo estava nas mãos do líder dos cavaleiros e do animano naquele momento. Restava para os guerreiros continuar, ir até o fim da floresta, sair de baixo daquelas infindáveis árvores.
Faltava pouco.
De um à um, todos deixaram seus esconderijos, fossem copas de árvores ou arbustos altos. Reuniram-se junto à Endrik, Ellia, Isteilon e dois cavaleiros, que ficaram por precaução, para então continuar.
Endrik apontou para a direção que julgava ser o ponto de saída mais próximo e todos obedeceram, confiantes.
E correram.
Menos de um minuto depois, foram surpreendidos por barulhos.
Os Frelen escutaram primeiro, obviamente, mas antes que pudessem dar um aviso claro, o som de uma cavalaria aproximando-se encheu os ouvidos de todos. Alguns questionaram se eram os outros membros do grupo retornando, mas não fazia sentido e o barulho era muito mais alto, vinha muito mais rápido.
Ficaram confusos até o instante em que alguns olharam para trás e viram, logo atrás deles, três dezenas de centauros adultos à galope.
Os rapazes gritaram e voltaram à correr, cada um por si ansiando fugir do inevitável.
— Espalhem-se novamente! — Foi o que Endrik conseguiu gritar. Como formigas assustadas, cada um já corria para um lado diferente no instante em que os animanos passaram por eles gritando, trespassando o grupo como uma flecha, atropelando um ou outro no caminho.
O maior deles, no centro, desacelerou e parou junto ao líder clérigo.
Era belo e altíssimo. Um homem musculoso, com tatuagens ritualísticas no ombro e cabelos pretos, longos e bem presos. Tinha, onde ficariam suas pernas, o corpo inteiro de um grande garanhão negro e forte.
Na mão direita trazia uma alabarda, arma de haste longa com uma ponta metálica comprida, atravessada por uma lâmina em forma de meia-lua. Atravessada nas costas, uma espada embainhada.
— Humanos idiotas! — Esbravejou. Sua voz era invejavelmente grave, máscula, potencializada pela raiva. — Por que decidiram entrar na floresta logo após tantos dias de viagem? Construíram aquela maldita estrada, mataram incontáveis árvores, e para quê? Para não usarem-na?!
Os outros centauros deixaram-no para trás e os rapazes reapareceram. Três, feridos no chão, foram socorridos. Endrik encarava aquele ser na sua frente, que curvava-se sutilmente para poder olhar em seus olhos.
— A pressa nos move, centauro. Mas não perderei tempo explicando, você nunca entenderia.
— Pelo motivo que seja, vocês não têm o direito de estarem aqui. A floresta não é, nem nunca foi, território dos homens. Pertence àquele gigante e aos animanos. Eu deveria deixá-los sozinhos contra Pedralha, deixar que ele os esmagasse. — Endireitou a coluna. — Mas ele deve ser parado antes que cause grandes problemas, e, com toda certeza, vocês não teriam a mínima chance de fazê-lo.
— Pois estão atrasados. Tenho cavaleiros perseguindo Pedralha neste momento, quem sabe até já lutando contra ele.
— O quê?
— Se eu fosse você, iria logo. Talvez perca o espetáculo.
Brank afastou-se. Nunca perderia a honra de derrotar o senhor da floresta para meros humanos de passagem.
— É melhor saírem daqui logo. — Avisou antes de galopar na direção que foram os outros. — Quem sabe não decido vir atrás de vocês em seguida.
E se foi, acelerando as patas.
Endrik suspirou e olhou para os rapazes no chão, gemendo de dor, auxiliados pelos companheiros. Os clérigos não estavam mais ali, partindo junto aos cavaleiros para o confronto com o gigante. A cura ficaria por sua conta, então tratou de ir logo.
Logo olhou ao redor, duas, três vezes, e o coração congelou.
— Deusa, por favor, não faça isso comigo... — Suplicou, murmurando.
Viu Bráulio perto de um rapaz ferido, Bastian conversando com outro, dizendo-lhe palavras de confiança, tendo Isteilon à seu lado.
Mas nem sinal de Ellia.


Rasvart não deveria ter cobrado tanto de seu corpo. Embora a vontade de lutar fosse imensurável, os anos que permanecera em repouso deixaram o corpo ainda mais pesado, relaxado e mal acostumado. Resultado disso, começava à cansar; as pernas não respondiam muito bem, e logo a velocidade foi diminuindo.
Os cavaleiros já ultrapassavam-no, então decidiu que era hora do confronto.
Moveu o enorme braço rochoso direito, varrendo o chão com a mão, acertando um cavalo e seu guia com uma força indescritível. Ambos voaram para o lado e o som de relinchos e gritos de medo misturaram-se até chocarem-se contra uma árvore e destruir seu tronco completamente.
Silêncio.
Kira, assistindo por cima do ombro, arregalou os olhos e engoliu em seco.
— Clérigos! — Exclamou.
O grupo formava uma espécie de círculo ao redor do gigante. O líder vinha na frente, e, na esquerda e na direita, um cavaleiro trazia um clérigo atrás de si, responsáveis por acalmar o senhor da floresta usando preces e magia divina.
Não sabiam, mas era inútil, justamente por Rasvart ser um Semideus, imune à um poder tão pequeno vindo daqueles humanos. Além disso, tinha Marraria do seu lado por enquanto, então a Deusa nada faria para impedí-lo.
Não sentia absolutamente nada.
Passou meio minuto. Pedralha preparava um segundo golpe.
— Não está dando certo! — Avisou um Profeta, por fim.
— O quê?!
— Estou orando, mas nada acontece!
O líder dos cavaleiros emitiu um estalo com a língua. No rosto dos companheiros surgira o medo.
Como derrotariam aquele gigante, se nem mesmo intervenção divina pareceu funcionar?
Kira teve uma ideia.
— Afastem-se! — Ordenou. — Tomem distância dele! — Logo os cavaleiros acataram e o fizeram, abrindo o círculo e deixando mais alguns metros entre eles e o alvo. O rapaz olhou por cima do ombro outra vez, avistando, então, centauros. Um grupo desenfreado, composto por dezenas, sem dúvida. Pensou por um segundo e agiu, como se um instinto o guiasse. — Recuem, deixem-no sozinho!
Puxou as rédeas, obrigando Feroz à ir para a direita, uma manobra tão brusca que o cavalo quase tropeçou nas próprias patas.
Rasvart acabou passando por ele, sem conseguir frear. Os cavaleiros, tomando o movimento do líder como exemplo, foram cada um para uma direção
O gigante, porém, mirava principalmente aquele que vira primeiro, aquele que dava as ordens. Firmou os pés de pedra no chão para reduzir a velocidade, escavando valas profundas, destruindo árvores no caminho, até parar por completo.
Virou-se.
Viu o primeiro cavaleiro, parado, encarando-o, e os trinta centauros aproximando-se. Só então ouviu os brados de ataque e intimidação dos animanos, que não chegaram até antes por estar focado na perseguição.
Mas para ele pouco importava.
Queria o líder.


Assim que Kira percebeu que o gigante voltaria à correr em sua direção, impeliu Feroz à galopar novamente. O animal já não respondia muito bem ao dono, cansado, mas acelerou.
O gigante deu os primeiros passos.
O cavaleiro apostara nos centauros. Como Pedralha o seguiria, partiria em direção aos animanos, que, com toda certeza, aproximavam-se justamente para o confronto. Era arriscado, poderia ser atacado da mesma forma ao aproximar-se, mas tinha que tentar.
Precisava dar tempo para os companheiros, e era isso que faria.
Porém, acabou não contando com algo: A persistência de Rasvart.
O gigante voltara à correr mais rápido do que antes por algum motivo, aproximando-se cada vez mais.
Kira logo sentiu que não daria certo. Os estrondos dos passos atrás dele eram insurdecedores. Feroz estava chegando em seu limite. À frente, os centauros erguiam suas lanças, formando uma fileira de espetos prontos para empalá-lo.
O rapaz suspirou. Fechou os olhos.
Efetuou uma curva com Feroz para a esquerda, livrando o cavalo, mas saltou com todas as suas forças para a direção contrária.
Sentiu o chão, as folhas secas. O corpo rolar numa cambalhota, ficar pronto para levantar.
Meio segundo antes de abrir os olhos novamente, veio o impacto.
E tudo fez silêncio.

O Bastardo da RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora