O corpo de Rasvart era composto totalmente por pedras, destacando-se em suas costas curvas uma grande camada espinhosa de cristais roxos, minérios místicos e misteriosos que continham parte de sua essência divina.
Consequentemente, não tinha estruturas como olhos, narinas ou ouvidos, mas por aquele corpo ser apenas seu avatar no plano dos vivos, conseguia farejar, ver e ouvir muito além do considerado comum.
Seguindo isso, não sentia dor.
Para localizar o grupo de invasores bastou seguir em direção à estrada, que sabia exatamente onde ficava, e esperar o vento trazer o cheiro humano para que pudesse ir atrás deles exatamente onde estavam.
Cerca de quarenta minutos se seguiram entre seu despertar e o instante em que sentiu o odor, mesmo com quase um quilômetro separando ele de seus alvos.
Os viajantes pareciam não ir muito longe da estrada, entraram havia pouco tempo; bastava continuar naquela direção que o encontro seria inevitável.
Logo o gigante acelerou o passo, movendo as pernas enormes e pesadas rapidamente. Em segundos, estava correndo e causando tremores por onde passava.
Queria sentir a adrenalina da batalha o mais rápido possível uma outra vez após longas décadas de sono, e a oportunidade estava mais perto do que nunca
Sons ritmados começaram à ecoar, distantes, na floresta.
Tum... Tum... Tum...
Os guerreiros Frelen, de audição algumas vezes mais aguçada e com ajuda do estranho silêncio no lugar, notaram os sons primeiro, ficando inquietos e nervosos de imediato, parando de andar e prestando atenção ao redor, causando estranheza nos rapazes por perto.
Alguns recordaram do momento que a sisnora apareceu e da reação semelhante dos felinos alguns dias antes, e sentiram que nada bom estava por vir.
Uns, mais antecipados, sacaram suas armas.
Bastian, que andava como um dos últimos para cobrir a retaguarda, aproximou-se com pressa.
— Algum problema? — Quis saber.
— Estou ouvindo um som diferente. — Respondeu um Frelen.
— Parece vir de muito longe, mas está se aproximando e ficando cada vez mais alto. — Completou outro.
— E como é esse barulho? — O líder dos guerreiros perguntou.
O primeiro felino moveu as orelhas, voltando à prestar atenção. Foi imitado pelo segundo, que, porém, manteve-se em silêncio. Ambos eram cinzentos e magros, com a aparência de gatos.
— São estrondos, com pausas muito curtas entre um e outro.
— Como tambores ou algo assim?
Bastian logo recordou-se dos rumores que ouvia no ducado sobre assentamentos animanos espalhados pela floresta, cujas localizações eram verdadeiros mistérios. Imaginou, então, que fossem selvagens, usando instrumentos ou algo do gênero para enviar algum tipo de mensagem, provavelmente alertar sobre a entrada do grupo de guerreiros na floresta.
Ante a pergunta, o segundo Frelen foi quem respondeu:
— Quase isso, mas acho grave demais para ser algum instrumento. À menos que seja, não sei, um tambor gigante.
O líder tranziu a testa, confuso. Olhou para frente e notou que os cavaleiros já iam alguns metros afastados, bem como uma pequena porção de guerreiros, que olhavam para trás vez ou outra.
— Avisarei Endrik, apenas continuem andando.
E deu as costas para todos, curiosos e temerosos. Caminhou à passos largos, apreensivo, passando pelos cavaleiros e atraindo olhares, até chegar perto do clérigo, concentrado em suas orações.
— Senhor! — Chamou. — Há algo importante que precisa saber.
O rapaz loiro terminou sua prece para só então responder.
— Fale rápido, estou no meio de uma Corrente e não posso parar. — E o olhou, dando-lhe atenção.
— Dois Frelen no grupo ouviram sons estranhos, parecem vir de longe e na nossa direção.
— Que tipo de som?
— Eles não sabem ao certo. Disseram apenas que parecem batidas graves e repetidas.
— Você disse que está vindo para cá?
— Sim.
— Ah, Deusa...
— Está mais perto! — Avisou um dos Frelen de antes, quase berrando, alertando todo aquele que não haviam percebido o clima estranho no grupo. Bastian virou-se tão rápido quanto o clérigo no cavalo. — Ficou muito mais alto e cada vez mais rápido!
— Pelo menos descobriu o que é? — Bastian perguntou no mesmo tom, tentando manter a calma.
— Não, nunca ouvi algo assim.
O líder dos guerreiros olhou para seu próprio líder, que carregava uma expressão séria e pensativa no rosto escondendo a preocupação. Tomou coragem para continuar à falar. — O que sugere, senhor?
— Pedralha. — Disse apenas
— Pedralha?! — O Frelen gritou, atônito, causando espanto em simplesmente todos da companhia.
— Senhor Endrik!?
— Não tenho dúvidas. Você também não deveria ter, Bastian. — Retrucou. — Agora eu entendo, por isso a floresta está tão silenciosa. Ele deve ter sentido nossa entrada e acordado. Pedi tanto por proteção, mas ainda assim...
— Então... devo alertar os outros? — Decidido, o líder dos guerreiros apertou sua lança e arrumou o escudo redondo no antebraço. Era por vezes impaciente, mas tinha coragem de dar o primeiro passo quando a situação piorava.
— Acho que já estão alertas. — Endrik respondeu olhando ao redor, vendo a inquietação entre os cavaleiros, piorando ao ver os guerreiros. Kira e Bak olhavam para trás, Ellia e Isteilon, por perto, viam e ouviam tudo com atenção. — Mas vá e ordene que se preparem.
— Não devíamos voltar para a estrada, senhor?! — O Frelen questionou, beirando o desespero.
— Pedralha sabe onde estamos e está vindo atrás de nós. Recuar será inútil.
— Vamos logo, bichano, temos um gigante para enfrentar! — Bastian retrucou usando um tom agressivo, que bastou para o Frelen obedecer e voltar para o interior do grupo maior sacando sua espada.
— Mas volte, Bastian, precisarei de você.
— Pode deixar.
— Kira. — O clérigo chamou em seguida. O rapaz, de pescoço virado, apenas o encarou. — Vamos montar um plano para o ataque. Tenho algumas ideias e preciso de você para dar certo.
— Sim, senhor. — O rapaz respondeu apenas, virando Feroz e aproximando-se.
Kira, Bastian e Endrik debateram por quase quatro minutos, arquitetando uma estratégia para enfrentar o gigante.
Seguiram a alternativa que parecia ser a mais lógica: distrair, incapacitar e escapar. Nada de confronto direto ou, pior ainda, heroísmo.
Endrik deu as sugestões mais relevantes, já que considerara a possibilidade do encontro com o senhor da floresta e planejara saídas possíveis muito antes de deixar o ducado.
O estrondo ouvido apenas pelos Frelen tornou-se audível para todos que prestassem atenção.
Contudo, o grupo teve tempo apenas de organizar-se e esconder-se antes de Pedralha chegar até eles.
O som ficara cada vez mais alto e contínuo.
Acelerando.
Até o momento que veio acompanhado de estalos.
E então uma figura surgiu ao longe.
Um agregado de pedras bípede correndo numa velocidade desproporcional ao seu tamanho e peso. Os braços longos, ou o próprio corpo, atropelavam árvores no meio de seu caminho, arrancando-as pelas raízes ou envergando-as de modo que as copas tocassem o chão e os troncos se partissem.
Além de tudo, os estrondos causados pelos passos pareciam trovoadas infindáveis seguidas por tremores assustadores.
Kira respirou fundo.
O nervosismo incomodava sua garganta.
Afagou o pescoço de Feroz, corajosamente quieto e calmo.
Olhou para suas armas, o curioso escudo-bainha no antebraço direito, com a espada média encaixada em seu interior.
Ergueu a vista, encarou o gigante em disparada, as árvores inteiras sendo derrubadas.
Esperou o momento certo para dar o sinal.
Dez segundos.
Vinte.
Trinta.
Esporeou Feroz, que prontamente galopou, saindo de trás do largo tronco usado como esconderijo. E então ouviu, sentiu, as passadas apontarem em sua direção.

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O Bastardo da Rainha
FantasyKirart foi criado e educado pelo anão Bago Blacsmal, dono da Espeto Vermelho, a famosa forja do ducado de Carvalho Velho. Conviver com armas e ouvir histórias de guerreiros viajantes a vida inteira deixou Kira fascinado pelas campanhas militares à...