Capítulo 50-A vida ensina, mas ela não volta atrás.

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EMMA

Meu corpo inteiro doía dos pés ao topo da minha cabeça. Acho que até meu cabelo estava ferido. Quando tentei levantar, notei duas coisas. Uma, eu não estava no quarto frio e nem na cama dura, mas em um colchão macio. Duas, eu não estava sozinha.

— Meu Deus. Obrigada, obrigada, obrigada. Você está acordada.—Uma mão roçou meu braço e eu gritei só que nenhum som saiu.

Abri os olhos, mas eles estavam tão inchados que eu mal podia ver através das pequenas fendas.
— Emma, pare. Não lute. Sou eu. — Eu reconheci a voz de Lisa e naquela fração de segundo, perdi a conta de quantas vezes me perguntei se tudo aquilo era real.

Existem momentos na vida em que você se vê obrigado a enfrentar situações seriamente dolorosas. À momentos em que o peso dos obstáculos se torna tão grande que você se vê incapacitado de suportar. E existe o momento em que embora os percalços seja inúmeros e a revolta seja intensa, você consegue encontrar um refúgio em meio a tormenta. Um lugar seguro e renina a dor, que te envolve, te aquece e te faz se apegar a ele. Eu podia dizer com toda certeza que Lisa era um de meus refúgios. Eu confiava cegamente nela, mas então veio o impacto, veio o choque e veio a queda.

Lisa era filha de Marcelo. Lisa havia mentido para mim. Lisa me traiu.

A minha cabeça girava em torno daquelas informações e eu não conseguia focar em apenas uma. Eram tantas coisas com as quais lidar que eu me via sufocada com aquele maldito bolo obstruindo minha garganta.

— Por favor me perdoa, Emma—Ela enterrou os dedos na camiseta desfiada que eu vestia.
— Por que? —Com lágrimas quentes ainda embaçadando minha visão, eu me virei bruscamente e me afastei dela.

Eu sentia o rancor, o ódio e a decepção.

Arrependo-me de não ter prestado atenção aos sinais. 

— Eu sei que fui cruel, mas me entenda, eu não tive outra opção.
— Sempre temos outra opção.—Falei num frio sopro de amargura, que rachou minha pele e coagulou minhas veias.— Me conte a verdade. Nem que seja uma única vez na vida, seja sincera comigo.
— Eu sempre fui sincera com você, Emma.
— Não, você não foi, se fosse eu não estaria aqui, porra! —Cerrei os punhos e indaguei com acidez— Por isso você sempre ficava emotiva quando eu te chamava de irmã. Admita, você nunca foi digna de me ouvir te chamando de irmã.
— Emma, não diga isso —Ela sussurrou e seu lábio inferior tremeu—Somos irmãs, não de sangue, mas ligadas pelo destino.
—Que cadela esse destino, não?—Cuspi sentindo as lágrimas embaçadando minha visão— Ele aparentemente ama foder com minha vida, você é a prova disso. Entrou no meu mundo para terminar de acabar com a porra da minha mente.
— Me desculpe...—Seu olhar pairou perdido em algum lugar distante e cinzento.
— Por que, Lisa? —Perguntei atordoada com as emoções embaralhadas dentro do meu peito.— Por que você me apunhalou pela costa?
— No começo, foi apenas para agradar meu pai—Lisa foi até a porta e escorregou-se até sentar no chão — Minha mãe era uma viciada, completamente neurótica. E eu odiava a vida que ela me oferecia. Odiava saber que do outro lado da cidade meu pai tinha sua família feliz enquanto eu vivia em um esgoto. Odiava saber que ele amava crianças que não eram suas ao invés de sua própria filha.

Ela sorriu fracamente

— Eu sempre quis ser uma garota normal, daquelas que o pai vai buscar de carro na frente da escola. —Continuou em um tom baixo, balançando a cabeça de um lado para o outro . — Mas não era assim comigo. Eu esperava uma hora por um ônibus lotado que me deixava a cinco quadras da minha casa. E quando chegava, minha mãe estava transando com um cara aleatório.

Ela esfregou o rosto, deixando transparecer o tremor em suas mãos.

— Eu estava cansada daquela vida Emma. Completamente no limite. — Sua voz chorosa confirmava que Lisa havia se fechado em seu casulo particular.— Foi por isso que eu não pensei duas vezes em aceitar a proposta do meu pai quando ele finalmente notou minha existência.

Ela levanta a cabeça e seus olhos estão vermelhos.

— Eu só queria seu amor, atenção e carinho. — O seu olhar ficou vítreo por um segundo e depois tornou-se progressivamente turvo, distintamente ausente.— E para ter isso, eu estava disposta a tudo.
— Inclusive fingir ser minha amiga.

Abaixei a cabeça e segurei na marra as lágrimas que forçavam passagem.

— Como eu fui idiota. Eu deveria ter apostado em minha desconfiança quando você me abordou naquela praça.
— Eu sinto muito, eu estava iludida com a oferta dele.
— Claro que estava— Quis parecer sarcástica, mas soou como um assovio fino.

Senti uma tontura, meus olhos saíram de foco e senti meu estômago revirando. Um ciclone de lembranças estilhaçadas rodopiava em minha memória, meus sentimentos perdidos num nevoeiro de mágoa.

— Você em algum momento pensou em me contar a verdade?  —Perguntei soltando o ar com dificuldade.
— Sim, muitas vezes.
— E porque não contou?
— Para te proteger —Disse e um ódio sem limites ferveu dentro de mim.

Meus dentes rangem quando eu sinto o calor do meu sangue aumentando com a necessidade de bater com o meu punho no rosto cínico dela. Minhas mãos estão realmente formigando de desejo, implorando para os meus dedos rolarem, para que eu possa martelar as minhas articulações na mulher que um dia pensei se minha melhor amiga.

— Você só pode está de brincadeira. —Indaguei com as sobrancelhas carradas e o sangue bombeando forte dentro das veias.
— Não precisa mais mentir, Lisa. Diga a porra da verdade. Pode dizer que você é uma egoísta e só queria continuar a receber o que quer que seja que aquele doente te dava para ter informações minhas.
— Não diga isso, por favor...
— Digo. Ao contrário de você, costumo falar a verdade.—Senti uma fraqueza e a respiração ficando cada vez mais difícil.
— Eu juro que todos esses anos eu escondi a verdade para seu bem.—Disse e deixei meus olhos encontrarem os dela.
— Para meu bem?—Inclino-me para frente e uma pulsação de raiva me toma.— Você sabe o porquê dos meus pesadelos, Lisa? Sabe porquê porra eu precisei de terapia? — A dor em minhas palavras era tão grande que se eu levantasse a minha mão, poderia tocá-la.— Eu fui quebrada, caralho. Fui abusada quando tinha apenas dez anos. E adivinha por quem?
— N-não... —Sua voz saiu sem  força.
— Oh sim, querida.—Projetei meu corpo para frente  com os dentes trincados.—Foi seu maldito pai. Aquele pedaço de merda fodeu com minha infância de todas as maneiras possíveis.
— Oh meu Deus! —Ela estreitou os lábios em uma linha fina e olhou para o chão.— Eu não sabia. Juro que não sabia.
— E o que isso importa agora? —Fecho os olhos por alguns segundos e balanço a cabeça.— Você já me condenou. Entregou minha cabeça para esse merda doente.

Eu reprimo minhas emoções, embora eu não possa impedir que as lágrimas
escorram pelas minhas bochechas.

— Eu não vou te deixar aqui Emma. — Ela disse e eu abri meus olhos.
— Eu não acredito em mais nenhuma palavra sua. Você é um monstro, como seu pai. — Eu digo a ela, saboreando as mesmas lágrimas em meus lábios.
— Emma...
— Vá embora, você não tem mais nada a fazer aqui.
— E-eu...
— Eu disse para ir embora porra! Você já fez seu trabalho do caralho não fez? Me trouxe para seu pai estrupador, agora suma da minha frente antes que eu vômite de nojo da pessoa que você é.
— Eu não vou deixar ele te machucar. Prometo.
— Você também prometeu nunca me trair, e veja onde eu estou. — Digo, tão furiosa que chego a tremer.

Finalmente me rendo às lágrimas porque essa é só mais uma coisa que está
tentando sair de mim e cansei de lutar contra elas.

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