Capítulo 16

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  - Meu Deus! Não é possível. Essa moça, que eu procurava destruir, pega minha filha nos braços e a socorre! Que caminhos do destino!

- Calma, Josias. Agora está tudo bem, e lhe prometo que vou acompanhar, pessoalmente, pelo estabelecimento de Paulo e a gestação de Neide. Descanse do seu problema.

- Agora, cabe-me fazer a minha parte - disse, limpando os olhos e as faces molhadas.

- Procure afastar os capangas da loja de Jose, não permitindo que o prejudiquem mais, e convença Manoela a desistir da ideia de perseguir e prejudicar o ex-amante.

- Só isso?

- Para nós é o bastante.

- Nem sei se tenho o direito de invocar o nome de Deus, mas, que Deus vos pague pela caridade que fizeram.

- Ora, Josias, você viu que não fizemos quase nada. Foi apenas um pouco de amor,de desejo de ajudar.

- Com o poder que vejo, agora, que têm, por que não me subjugaram, não me prenderam?

- Por que iríamos usar métodos violentos?

 Com calma, e um pouco de amor, tivemos a oportunidade de ajudar dois Espíritos, e ganhar amigos, além de solucionarmos grandes problemas da família de Jose, e permitir a Ruth, pagar a ajuda, com antecipação. Quer resultado melhor?

- Realmente, a gente nunca aprende, e procura os caminhos mais difíceis. A violência e o crime nunca ajudaram a ninguém. Nem resolvem problema algum, mas,ao contrário,criam problemas maiores.

- Quando quiser palmilhar os outros caminhos, estaremos às suas ordens. para encaminhá-lo e protegê-lo.

- Agora devo ficar aqui, para pagar minha dívida de gratidão. Depois, irei procurá-los.

- Caminhamos até a loja de Antonio. Josias mandou que todos os seus asseclas se retirassem, porque ele, sozinho, daria conta do trabalho. Distribuiu-os para outras incumbências, e entrou.

Antonio estava no escritório, fazendo contas, preocupado com a queda das suas vendas, os prejuízos que se acumulavam e o dinheiro que começava a faltar para pagar os compromissos.

- O telefone tocou. Era Ruth do outro lado da linha. Antonio ouviu algum tempo, e depois respondeu: 

- Parabéns! Você fez muito bem, minha filha. Providencie para que não lhe falte nada. Que hospital você está? (...). Está bem, irei aí e darei um cheque de cinquenta reais. Não tem importância, minha filha, eu me arrumarei com o dinheiro, tenho crédito, e Deus nos ajudará. Nossas vendas logo devem melhorar.(...). Está bem, já vou indo.

Antonio pegou o talão de cheques vestiu o paletó, deu algumas instruções ao encarregado da loja e saiu.Josias chorava. Estava imóvel, petrificado, e as lágrimas lhe lavavam o rosto e o coração, caindo-lhe junto aos pés. Dava pena vê-lo. Tentei imaginar como deveria se sentir alguém que recebesse, de suas vítimas, tantas expressões desinteressadas, de carinho.

O ex algoz olhou-nos, profundamente envergonhado, se recompôs e saiu para a calçada, para atrair clientes, a fim de começar a pagar a tremenda dívida em dinheiro,que contraíra com Antônio , e os prejuízos que lhe havia causado.Saímos para atendermos outros compromissos, decididos a voltarmos, às duas horas da tarde, hora em que Manoela havia prometido, na carta, dar a prova cabal a Ruth.O movimento, na loja, era intenso. Josias continuava ativo, procurando convencer os transeuntes a entrarem e comprarem e, pelo visto, estava obtendo sucesso, e bem maior agora, no sentido do bem.

Antonio, feliz, observava a agitação do pessoal, atendendo, conversando, vendendo,empacotando, depois de muito tempo de triste expectativa, quando os clientes pareciam haver fugido, e o estabelecimento comercial dava a impressão de navio batido pela força da procela, e prestes a naufragar.Sua felicidade também se dividia com a atitude de _Ruth, recolhendo em seus braços uma filha do infortúnio, procurando salvar duas vidas que o destino,certamente,logo ceifaria, não fora o seu amor cristão.

Ruth nem viera almoçar em casa. Permanecera ao lado de Neide, procurando confortá-la e atendê-la em todas as providências que se faziam necessárias.Tudo ia bem.Eram duas horas da tarde, quando um menino, dessas criaturinhas que perambulam pelas ruas, procurando ganhar o próprio sustento que lhe falta em casa, assomou à porta, perguntou por Antonio, dirigiu-se a ele, e informou que uma moça, Manoela, o esperava, urgente, logo adiante.

Josias não havia notado o garoto, mergulhado que estava na tarefa de angariar clientes, mas, quando viu Antonio preocupado, dirigir-se para o escritório,seguiu-o.Nosso amigo foi apanhar o paletó para sair.Nisso, o telefone tocou. Era Ruth.

- Sim, minha filha, ela está aí fora. Um menino acaba de avisar-me. Não, não vou dizer nada a ela, que conheço o teor da carta que você recebeu. Pode ficar tranquila. Não, também não vou lhe dar nenhum dinheiro. Sim, sim, vou tratá-la com todo o respeito para que não se enfureça ainda mais do que já está. E Neide? Está melhor?Ótimo, fique aí o quanto necessite para providenciar-lhe tudo. Se o médico disse que mãe e filho estão fora de perigo, isso já pode tranquilizar-nos. Está bem,não se preocupe. Telefone daqui a uns quinze minutos e direi-lhe-ei tudo o que aconteceu. Tchau, querida.

O senhor Antonio largou o telefone, mais confortado.Josias se emocionou, mais uma vez, até às lágrimas, ante o diálogo que o colocava a par da situação da filha, e da carinhosa assistência que estavam lhe proporcionando.

Antônio  e Ruth lhe ganharam, inteiramente, o coração e o reconhecimento. Interessado em corresponder à afeição do inesperado benfeitor, seguiu Antonio,para presenciar o diálogo com Manoela.

- Como está, Manoela? - perguntou Antonio, abordando o automóvel pelo lado de fora,sem demonstrar qualquer intenção de entrar.

- Passei só para vê-lo. Estava preocupada.

- Precisa de alguma coisa?

- No momento não. Como disse só queria vê-lo, saber se está tudo bem.

- Obrigado, minha filha, pelo seu interesse Josias, que lhe conhecia a verdadeira intenção, agora que mudara de lado, na sua luta inglória, podia ver-lhe a hipocrisia e analisar-lhe a frieza emocional. Num primeiro momento, sentiu muita raiva, depois teve certa pena em ver aquela pobre moça caminhando por sendas tão enganosas e difíceis, cavando fundo poço sob os próprios pés. Agora, teria, de cuidar dela - pensou -, de modo que não faça mais qualquer mal, nem a Ruth e nem ao seu pai, seus benfeitores, que passaram a ser seus amigos.

- Está bem, Antonio. Sua filha está na loja?

- Não, está Num hospital, atendendo a pobre moça vizinha de nossa casa, que ficou mal,estando em processo de gestação. A pobrezinha não tem ninguém que cuide dela,pois,com apenas vinte e cinco anos, já é viúva e não tem pais. Manoela, irritada, não gostou da informação. Então a menina não se preocupou coma carta? Por que não veio presenciar o encontro? Não teria lido, ainda, a mensagem que lhe mandou? Não era possível. Que teria acontecido? Tinha certeza de que a encontraria por ali para certificar-se. Não podia crer que filha dedicada, como ela era, num momento desses, não estivesse presente.Relanceou os olhos, em todas as direções, procurando localizá-la em algum lugar furtivo, observando a cena. Mas não a viu, em lugar nenhum, irritou-se ainda mais.

- Que houve? Quer alguma coisa de Ruth?Por que pergunta por ela?

- por nada. Não quero nada com ela. Devo avisá-lo que, dentro de alguns dias,vou necessitar de mais dinheiro.

- Desculpe-me,Manoela, mas não conte comigo. Os negócios vão mal.

- Mal? Estava vendo, daqui, que a sua loja está formigando de gente.

- É verdade, não sei o que houve, mas, hoje, vai indo bem. No entanto, preciso de muito tempo para recuperar-me.

- Mas deve ter entrado com bom dinheiro para internar aquela moça desconhecida no hospital.

- Ora, Manoela, esse é um ato de fraternidade que, para atendê-la, venderia a própria roupa do corpo.

- Se para ajudar uma sirigaita dessas, que deve ter se engravidado em orgias,você vende a roupa do corpo, trate de vendê-la logo, para ajudar-me, se não vai ver o quanto lhe vai custar.Josias não aguentou. Deu-lhe tremendo tapa na cara, com tamanha carga de ódio,que suas mãos quase se materializaram.   

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