Capítulo 24

186 20 0
                                    


  O serviço de enfermagem entrou no quarto, a fim de preparar Neide para a saída. Depois de alguns minutos, a jovem deixou o hospital, em companhia de Antônio e Josias. Todos felizes com o desfecho daquele caso inesperado.Ruth se dirigiu para o quarto de Manoela. Nós a seguimos.Irradiava felicidade por todos os poros do seu corpo e da sua alma. Ganhara uma irmã, e logo teria uma criança, em casa, para repletá-la de alegria.Manoela ainda não havia cedido. Falava por monossílabos, arredia, desconfiada.Mergulhada na maldade, ainda não havia se convencido de que aquelas pessoas, que tentara prejudicar, pudessem fazer tudo aquilo com amor, esquecidas dos seus atos.

Ruth entrou no quarto com tal expressão de alegria, que Manoela se descontraiu,por alguns instantes, dizendo-lhe:

- Que houve? Ganhou na loteria?

- Melhor que isso, ganhei uma irmã. Convidamos Neide para ir morar conosco,e ela aceitou. Foi agora mesmo, com papai, toda feliz. Imagine que, há apenas alguns dias, nem a conhecia, e, agora, me parece alguém que conheço, há muito tempo, eque se liga ao meu coração. Sou Espírita, acredito na reencarnação e, portanto,na existência de laços do passado que nos atraem uns aos outros. Mas, como se sente hoje?

Manoela ouviu a manifestação da jovem entre surpresa e arrebatamento. Aquela moça era mesmo um caso estranho de amor, desse amor que ela nunca havia sentido. Tinha de acreditar na sua sinceridade - pensava -, abandonando o coração.

- Estou bem - respondeu, depois de ligeira pausa.

- Não sente mais dores?

- Muito pouco. O que mais me incomoda é a impossibilidade de mover-me.

- Infelizmente, isso é necessário: de outro modo eu lhe aliviaria. Dói-me vê-la assim na cama.

- Seja sincera, Ruth, você gosta de mim?A jovem não esperava a pergunta. Num segundo, achou que a outra, talvez, tivesse o direito de duvidar da sua sinceridade. Olhou bem nos olhos da interlocutora,coma doçura que lhe era peculiar, enrubesceu e respondeu ternamente:

- Que pergunta, Manoela!Perdoe-me se, em algum momento a tratei mal, de modo diferente ao meu desejo de ser útil. Por favor, diga-me: por que duvida do meu afeto?

- Acho muito estranho. Nunca me tratou assim, com tanto carinho, e sendo você uma pessoa a quem prejudiquei, assombra que isso não afetasse seu coração, que ainda se disponha a a ajudar-me. Entenda: no mundo em que vivo, a sua atitude não tem lógica; por isso, tenho dificuldade em aceitar a sua sinceridade.

- Ora, Manoela, - disse a moça com ternura -, a lógica da vida é que nos amemos uns aos outros, para que possamos viver em paz. Não há outra fórmula melhor para que alcancemos a felicidade. Por que haveria eu de magoar-me, adoecer na revolta ou revidar, aumentando os laços de ódio, de difícil reparação? Aprendi, com a Doutrina Espírita, que todos nós somos Espíritos imperfeitos, sujeitos ainda a nos equivocarmos, e, por isso devemos mos tolerar, uns aos outros, e perdoar setenta vezes,sete vezes, conforme nos ensinou Jesus.

- Creio que estou muito distante dessa posição cristã, e não sei perdoar, ou tolerar, os que me fazem mal. Comigo é _olho _por _olho, _dente _por _dente;quem fez,tem que pagar.

- Cuidado, minha querida, pois Jesus também nos preveniu de que, _com _a _mesma_medida _que _medirmos, _seremos _medidos, o que equivale a dizer que nos será aplicado o mesmo princípio de justiça, que aplicamos nos outros. Entretanto, a Pena de Talião não está fora da cogitação da vida. É que esse princípio rigoroso devemos aplicar a nós mesmos, no julgamento dos nossos atos, para que aceitemos, com humildade,as reparações que nos sejam pedidas. Ninguém se eximirá do mal, que haja praticado.

- Essa Doutrina do _dai _a _face _esquerda _a _quem _lhe _bata _na _direita, que é igual a do _perdoai _setenta _vezes, _sete _vezes, sempre me pareceu covardia. A pessoa que nos bate, numa face, com o mesmo impulso, nos baterá na outra.Tenho experiência própria, quanto mais nos abaixamos, mais apanhamos.

- Não vou discutir com você, Manoela. Devo respeitar o seu modo de pensar, que é uma resposta da sua natureza interior. Porém, posso lhe afirmar que, desde o momento em que resolvi não passar recibo aos insultos de qualquer espécie, não tenho colecionado inimigos no meu caminho. Com esse modo de ser, penso que a bondade Divina me retribui com uma paz, que julgo ser a verdadeira felicidade.

- O pior é que você me parece sincera!

- Pior por quê?

- porque se um exército resolver ajudar o seu inimigo e perdoá-lo, certamente será dizimado antes que manifeste a sua intenção. Porque nessa luta, do homem contra o homem, no jogo dos interesses humanos, quem fraquejar, será esmagado.

- Escute, o argumento, à primeira vista, parece razoável; contudo, não se esqueça da sabedoria popular que nos ensina que _quando _um _não _quer, _dois_não _brigam.Simplesmente, não declaro guerra a ninguém: declaro a paz. 

- Sinto desejo de pôr à prova seu argumento, mas...

- Mas ... o quê?

- Poderia feri-la.

- Nem pense nisso.

- pois bem! Você aceitou o jogo. Fiz um processo em cima do seu pai, para que ele se arruinasse, econômica e fisicamente, e voltasse aos meus pés para humilhá-lo.A carta anônima que você recebeu, fui eu mesma quem escreveu. Nesse intento,coloquei toda a minha energia, e contratei Espíritos da sombra para que executassem meus desejos. Reconheço que não pode existir mal maior. Se você soubesse disso antes, teria me socorrido e dado a assistência que me deu?Enquanto a jovem falava, tinha os olhos fincados nos de Ruth, procurando qualquer reação que não veio. Tanta serenidade lhe doeu. De que era feita aquela mulher?Degelo?

- Manoela, minha irmã, - iniciou Ruth, com ternura -. Digo-lhe que já sabia de tudo, com todos os pormenores. A Providência Divina, no entanto, ajuda aqueles que se esforçam por serem bons. Há alguns dias, eu e meu pai, socorremos pobre moça viúva, em estado de gestação, que estava à beira da morte, e a salvamos. Daí a minha alegria de hoje, quando ela deixa o hospital e vai para a nossa casa. Fomos num trabalho Espírita, onde meu pai foi aliviado da carga fluídica que lhe pesava e dos Espíritos que o perseguiam. Qual foi a nossa surpresa, ao se apresentar o executor de seu desejo chamado Josias, pai de Neide, que pediu-nos perdão e nos agradeceu pelo bem que fizemos, sem o saber ou pretender, à sua filha aparentemente desvalida.O inimigo feroz, como ele mesmo se classificou, tornou-se nosso amigo,e promete,doravante, defender-nos das arremetidas do mal.

- E o mal que ele chegou a fazer? Interrogou Manoela, para cortar, um tanto desesperada, a argumentação da jovem.

- Desse mal, não quisemos reparação alguma. Se somos todos imperfeitos, quantas vezes teremos sido perdoados por nossas vítimas, ou viremos a sê-lo! Mas isso não o exime diante da Justiça Divina, que age, matematicamente, pois ele se confessou sob os efeitos do choque de retorno, daquilo que havia feito, fardo esse que lhe custará resgatar.Choque de retorno?   

Liberdade espiritual(espírita)Onde histórias criam vida. Descubra agora