"Capítulos 36"

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A fé é uma das coisas mais bonitas do mundo. Ela aposta no que não se pode apostar. Ela se rende para aquilo ao qual não podemos medir, cheirar e experimentar, só inferir.

Mas se a fé em alguma questão espiritual é bonita, eu confesso que a fé humana me toca de uma forma especial. Explico.

Ter fé em Deus me parece fácil se comparado na nas pessoas, porque as pessoas são absolutamente falíveis. Ter fé no fracasso é de uma força colossal. Estamos vendo, na frente do nosso nariz, é até lamentável testemunhar uma pessoa falhando miseravelmente na sua total incoerência humana. E mesmo assim seguir acreditando. Os pais fazem isso pelos filhos, tem fé humana (as vezes cega), mas um ardor de que algo vai engrenar mesmo quando as coisas não se engrenam.

Deveríamos ter fé uns nos outros como as mães tem em seus filhos. Brinco que vivemos nessa vida como "zumbi solidários", nos apoiando como dá. É bonito isso, apostar numa ação que está crescendo é fácil, mas ter no cachorro morto é difícil.

Eu tenho particularmente um carinho por causas perdidas, são pessoas que estão perdidas, mais endurecidas, mais cegas, mais frágeis e precisam de mais fé.

É engraçado, mas quando somos olhados com uma crença forte por parte dos outros acreditamos mais no que podemos fazer. Nunca falha. Se alguém vê a bondade em nós que ainda não temos parece que ela ganha espaço. Tenho por mim que a fé humana tem esse dom, de abrir um espaço no meio da selva de confusão psicológica.

Desejo de coração que esse sentimento que tenho por você se espalhe para as pessoas que estiverem ao seu redor. Eu vejo a V. cheia de vida, que você ainda não vê. Tenha fé no que eu vejo...

Acho tão engraçado como usamos a palavra vida para fale de coisas tão abstratas que quase já não sabemos o que ela quer dizer. Vida pode ser tudo o que acontece entre o dia que nascemos (ou até antes nos sonhos dos nossos pais) e o dia que morremos (até o legado que deixamos).

Eu penso a vida de uma maneira simples, ela é tecido sutil e quase invisível de relações e acontecimentos que resolvemos cultivar. Basicamente a vida é uma teia de possibilidades, de portas que vamos abrindo e pessoas que vamos cultivando. O colorido da vida ele surge de uma disponibilidade em abrir seu coração para as pessoas.

Lembro claramente do meu pânico em me mostrar para os outros na adolescência. Cada palavra e gesto era medido com cuidado para eu não ser julgado ou rejeitado. Não funcionou, pelo contrário, essa meticulosidade não me fazia sorrir mais e nem me abrir com mais alegria. Eu escravo do mau gosto alheio, explico. As pessoas não são dadas a cultivar alegria pela alegria dos outros. Por medo, inveja ou egoísmo elas se ressentem quando os outros se monstras plenamente. Para diminuir o incomodo delas serem acanhadas e tristes elas criticam quem se revela ou próspera. Logo, para viver bem é preciso saber desapontar o pouco apoio que recebemos dos outros. Ser feliz é seguir na contramão da mesquinhez alheia.

Quando resolvi me mostrar mais, ser uma pessoa mais sensível e disponível parece que as pessoas rançosas não se sentiam confortáveis de se espalhar na minha vida, elas lentamente foram saindo. A pessoa rançosa que eu era também saiu de mim. Parei de me culpar por tudo e ser mais afetivo comigo mesmo. Todo erro que eu cometia seria perdoado.

Abandonei a perspectiva de uma vida perfeita. Não queria mais algo ideal ou intacto, e sim algo orgânico, carregado de emoções, perdas e alegrias, algo que estivesse ao meu alcance. Eu poderia visitar todos os países do mundo ou conhecer todas as garotas incríveis que haveriam no mundo, mas não. Sei que a maioria dos lugares incríveis que existem na terra não me conhecerão e que todas as mulheres que eu podia amar e ser amado não me encontrarão. Resolvi restringir meu ciclos de experiências, viver com meia dúzia de coisas possíveis, algo que eu desse conta de viver, tocar e degustar. Desagradar os outros ficou mais fácil desse jeito.

Parei de economizar a vida porque ela traz desapontamentos, parei de restringir amor porque ele acaba. Quando e se acabar eu vivi. Quando alguém morrer eu vou seguir porque minha homenagem é seguir vivendo. A provisoriedade da vida não estrangula mais minha esperança. Tenho esperança, mesmo com tudo podendo dar errado (e às vezes dando).

Quero seguir em frente, curioso, me arrastando nos dias ruins, mas em frente, quero descobrir como sobreviveremos como espécie humana. Quero ver o final dessa aposta, quero estar vivo quando eu morrer...

Emoções são coisas lindas, nos alertam, nos abraçam, nos desaceleram, nos apontam para o momento presente, para algo valioso.

Aprendemos muito cedo que as emoções são perigosas que podem nos fazer perder o controle ou ser desumanos. Nada pode estar mais errado que isso. É exatamente porque não ouvimos as nossas emoções que elas nos dominam.

Uma pessoa se sente triste porque soube de um jantar de seus amigos a qual não foi convidada. Mas ela não ouve sua tristeza, acha que isso seria admitir uma fraqueza, quer ficar forte, na sequência afirma para si que não precisa tanto dos amigos, o que não é verdade, mas para não sentir o medo da rejeição, outra emoção que ela passa por cima, acaba pensando numa característica negativa de um membro do grupo, ela quer se sentir superior por alguns minutos, logo sente raiva, e a raiva ela se permite sentir, pois acredita que há uma certa dignidade na raiva, a raiva segundo ela parece criar uma força ou um empoderamento, na sequência toma o telefone e liga para uma amiga reivindicando explicações, acaba ofendendo a amiga e urrando em lágrimas. Para atenuar e não prosseguir na desentendimento a amiga confidencia: "estávamos preparando sua festa de aniversário surpresa"...

O que teria acontecido se ouvisse sua tristeza? Ela teria dito: gostaria de estar próximo de meus amigos, que tal buscar ficar próximo deles?

A emoção primária, a tristeza, tinha uma mensagem clara, algo fazia falta e seria só buscar isso. Mas as crenças que adotamos de que as emoções são boas ou ruins, úteis ou inúteis acabam por nos induzir a agir pela tangente, seja por orgulho, medo de ser enganado ou por medo de ser ferido.

Eu vivo para celebrar um mundo onde possamos ouvir a voz silenciosa das emoções, conhecer os valores que estão por trás delas, inclusive as crenças distorcidas que apoiam certas emoções e que nos impedem de encarar a realidade de um jeito lúcido.

Portanto, V. suas emoções são uma ferramenta valiosa para o autoconhecimento e podem levá-la a um entendimento maior do que vai mais fundo do que você possa imaginar.

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