"40"

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Existem vários tipos de momentos na vida, existem os bons, os confusos, os assustadores, existem aqueles que você deseja que durem para sempre, e existem momentos como esse. Momentos em que sua vida parece desmoronar, em que, de repente, você perde alguma coisa muito importante. Momentos em que você perde um pedaço de si mesmo.

E foi isso o que aconteceu quando, perplexa, encarei John caído no chão ao meu lado, já sem vida.

Sequer gritei, ou chorei. Na verdade, eu não consegui fazer nada... era como se eu nem existisse mais.

- John! - Felipe gritou, o desespero explicito em sua voz.

John era nosso porto seguro, era a ele que procurávamos nos momentos difíceis, era ele quem nos dava forças para lutar quando já não tínhamos mais esperanças. John era meu pai, e agora... agora ele estava morto.

Ha um ano e meio atrás, Mary esteve envolvida na morte de Peter, meu pai adotivo, e fora um dos momentos mais difíceis que passei em toda a minha vida. Ela também tentara me matar em Brighton Pier, com uma facada... Ela apontou uma arma para minha cabeça e me ameaçara sem sequer pensar por um minuto em quem eu era. Mary podia ter me gerado, podia ter me amado em algum momento de sua vida, mas ela jamais seria minha mãe. E apesar de tudo isso, eu nunca consegui odiá-la. Mas quando vi o sorriso satisfeito dela fitando o corpo de John, foi o fim.

Soltei Daniel e me atirei em Mary, os punhos cerrados acertando com força seu rosto. Ela caiu no chão, com certeza não esperava pelo meu ataque surpresa. Mas não parei por ai, saltei por cima dela, e soquei seu rosto dezenas de vezes.

- Me solte, sua maluca! - Mary conseguiu gritar.

Dei mais um soco em sua boca, esse foi o suficiente para partir seus lábios e deixá-los vermelhos de sangue. Continuei com os socos, mas eles não pareciam suficientes, não pareciam machucá-la o bastante.

Me levantei depressa, Mary nem se moveu, mas seus olhos estavam cravados em mim como garras afiadas.

Olhei para os demônios que ainda faziam um circulo a minha volta, todos pareciam estar nos mesmos lugares, estavam achando interessante a briguinha de família.

Pois bem, eles queriam um show? Eu daria um show.

Andei até Mary e a peguei pelos cabelos, ela estava fraca, de modo que não conseguiu lutar por muito tempo, a arrastei, passando na frente de cada um dos demônios mais próximos. Suas mão lutavam sem força para me fazer soltar, mas eu não soltaria. Ainda não.

- Essa mulher, - comecei - é mesmo um exemplo perfeito para vocês, não é mesmo? Um demônio que mata sua própria família, que se entrega completamente a escuridão...

- Quem você pensa que é? - perguntou um deles com a voz autoritária.

Sem soltar Mary, me aproximei dele. O demônio devia ter uns vinte centímetros a mais que eu, mas não me deixei intimidar.

- Quem você pensa que é?- respondi.

- Você não está em situação de fazer gracinhas, Ana...

Nem esperei que ele terminasse, sem pensar duas vezes soltei um tapa em seu rosto. Eu não estava com paciência para nenhum deles naquele momento, eu precisava tirar meus amigos do inferno, o mais rápido possível.

- Então eu vou dizer o que vai acontecer agora. - continuei - Todos os Anjos que estão nessa sala vão voltar para casa, e vocês podem concordar e nos ajudar, ou vão todos morrer.

Meu coração estava acelerado, aquela não era eu, com toda certeza não era eu, mas eu não podia parar agora.

- É mesmo? e como vão fazer isso? - outro deles perguntou.

O encarei no mesmo momento em que ouvi sua voz, e foi então que algo extraordinário aconteceu. O demônio caiu no chão. Sem vida.

O inferno não me deixava mais fraca, muito pelo contrário. No inferno, eu era mais forte. Mais forte que qualquer demônio ou anjo jamais seria.

- Meu nome é Analu, filha de um demônio e um arcanjo. Uma mestiça puro sangue. O inferno é minha casa do mesmo modo que o céu também é. E nenhum de vocês é capaz de me destruir, nenhum de vocês é capaz de sequer me enfrentar.

- Ela... - começou outro demônio - é um anjo na escuridão.

- O quê? - perguntou outro.

Mas ninguém o respondeu, e em menos de um minuto estavam todos curvados. Não era a minha intenção ao começar fazer o discurso, não era aquele o rumo que eu gostaria de seguir. Mas se isso ajudaria a tirar todo o grupo dali, eu aceitaria.

- Vocês não podem obedecê-la. - disse Mary com dificuldade - ela é do bem, é um anjo!

- Não, não é. - interrompeu Helena - Ela é uma mestiça, a primeira dessa linhagem, ela controla o mau com o bem, isso não faz dela mais forte, todos aqui podem fazer o mesmo.

Os demônios pareceram interessados.

- Analu pode liderar vocês, Daniel se tornou um anjo, e todos vocês também podem.

- Liderar? - perguntei - Helena, o que está dizendo?

Ela deu uma leve piscadela para mim e continuou.

- Juntem-se a nós, vamos para casa.

Houve um momento de cochichos e sussurros pela sala, os demônios pareciam mesmo convencidos. Como era possível? Não eram todos maus?

- E Mary? - Felipe perguntou com desprezo.

- toda sua.

Me virei de costas, não queria ver. Mas precisávamos colocar um fim naquilo, Mary nunca pararia... Não nos dava outra escolha.

Me agachei ao lado de Daniel, e vi todos os demônios sumirem, um por um. Estavam indo para a terra. Vi que aos poucos foram se ajudando, Dominic, Mariana, Helena, Megan, Felipe, Mike e depois Alice.

Olhei para o corpo de John uma ultima vez.

- Adeus, papai... amo você.

Peguei a mão de Daniel e fechei os olhos.

Daniel estava na cama de Mariana, me deitei ao seu lado.

- Analu? - ele disse, ainda meio grogue.

- estou aqui.

- como... como viemos para cá? - Daniel se sentou - estávamos no inferno, eu pensei que...

- shh... - me aproximei ainda mais - está tudo bem...

- Anjo, eu senti tanto medo de perder você... pensei que estivesse morta, pensei que Mary a tivesse matado aquele dia em minha casa...

Então Mariana entrou no quarto carregando duas canecas com chocolate quente... o famoso chocolate quente dela.

- Analu, eu odeio ter que quebrar o clima, mas Mike ligou, disse que o galpão infernal está uma bagunça, os demônios parecem um bando de animais... Ele quer que você vá até lá.

- Mike? o quê? - Daniel perguntou - demônios?

- Longa história...

Dizendo isso dei um leve beijo em sua boca e sai do quarto.

Anjos na escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora