"41"

1.3K 160 3
                                    


Me sentei na cadeira velha e empoeirada na varanda de John, já haviam se passado dois meses desde que ele se fora para sempre e essa era a primeira vez que eu estive em sua casa desde então. Fitei o Ipê que brotara ferozmente de uma fenda na calçada, o outono começava a dar as caras, e isso era facilmente notado pela quantidade exagerada de folhas e pétalas amarelas caídas no chão.

- As vezes sinto como se ele ainda estivesse aqui. - falei quando Daniel se sentou na cadeira ao meu lado.

- ele está.

- Sim... mas, de verdade, sabe?

- ele está aqui de verdade, Analu. - Daniel tocou de leve meu peito - ele está bem aqui, em seu coração.

Nos últimos dois meses, meus encontros com Daniel se resumiram a beijos intensos e declarações de amor, e não é que eu não gostasse disso, mas estava com saudade de ouvi-lo falando de forma tão serena e sincera comigo.

- Ainda acho que você não devia ter entregado o exército de demônios nas mãos de Mike... - Disse Daniel desviando do assunto.

- sejamos sinceros Daniel, ele era a pessoa mais indicada para o cargo...

Daniel olhou para a rua, rapidamente se esquecendo de Mike. Ele estava tão calmo que a cor de seus olhos mudou para um quase castanho.

- Você acha que agora acabou? - perguntei.

Ele não respondeu, mas percebi que já havia se feito essa pergunta algumas vezes... Ele também tinha medo de que tudo virasse um furacão novamente.

- Megan disse que essa casa é minha por direito, já que tecnicamente dizendo, sou uma órfã agora, e tudo o que pertencia a ele, agora é meu... E eu não sei se quero voltar para minha casa.

Eu havia permanecido na casa de Daniel, a antiga casa de Leinad... de modo que já fazia meses que eu não via minha mãe e nem ia para casa.

- Entendo que não queira voltar para casa, mas acho que deve algum tipo de explicação a sua mãe.

- eu sei... - falei.

Esse assunto vinha me rodeando há dias, e eu estava tentando adiar o máximo possível, mas era inevitável, eu teria de encará-la novamente.

- Iria comigo? - perguntei, de repente sentindo uma pitada de coragem.

Daniel me encarou, e algo em seu rosto mudou.

- quer que eu vá com você?

- mais do que qualquer coisa...

Ele sorriu, parecia não acreditar que o que eu estava dizendo era verdade.

- o que foi? - perguntei.

- Eu pensei que estar comigo significava precisar escolher entre sua família e eu... e de repente, você quer que eu vá com você encontrar sua mãe.

- de onde tirou essa ideia?

- lugar nenhum, meu Anjo... esqueça isso.

Daniel se inclinou para me beijar, e quando nossos lábios se encontraram, eu encontrei a mim mesma.

- então vamos?

- agora?

- Analu, ela é sua mãe... não precisa ter medo de ir vê-la, e eu estarei lá com você.

Respirei fundo e o encarei.

- Eu sempre estarei com você. - Ele completou.

Daniel estacionou o carro na frente da casa. Embora eu tivesse morado ali por bastante tempo, aquele lugar já não evocava em mim uma sensação de lar, pelo contrário, a casa parecia fria e vazia... grande demais pra três pessoas e com certeza maior ainda para duas.

Desci do carro e segurei a mão de Daniel enquanto me aproximava da casa, dividida entre bater na porta ou simplesmente entrar como eu costumava fazer.

Optei por usar a minha chave e entrar. O lugar estava silencioso mas nada ali havia mudado, era exatamente a mesma casa de antes.

- Mãe... - falei, alto o bastante para que ela ouvisse se estivesse no térreo.

- Vamos olhar lá em cima. - Daniel disse, me puxando pela mão.

Subimos as escadas, mas também não havia ninguém. Se a rotina dela ainda era a mesma, logo ela estaria em casa. Fui para o meu antigo quarto, e tudo ainda estava lá, exatamente como eu havia deixado.

- Parece que o tempo parou nessa casa. - falei - Nada mudou.

- isso é bom.

- talvez.

Me aproximei da escrivaninha, depois fui até a cama e reparei que alguém trocara os lençóis.

- Nem tudo permaneceu igual. - sussurrei.

Daniel andou até minha estante e colocou a mão em uma das gavetas.

- posso? - ele perguntou.

- à vontade.

Continuei andando pelo quarto enquanto Daniel abria todas as minhas gavetas, aparentemente, por curiosidade.

- Por quê ela está demorando tanto? - perguntei.

- se acalme Analu.

- Não me mande ficar calma!

Eu estava indo em direção a janela quando Daniel me interrompeu.

- O que é isso? - ele disse erguendo as cartas - você fez isso?

Eu as havia escrito, acreditando que Daniel jamais as leria, e agora, lá estava ele com todas elas nas mãos.

- Era tudo o que me conectava a você...

- e não ia me entregar?

- Não tem nada que esteja escrito ai que eu já não tenha lhe dito pessoalmente.

- mas você as escreveu para mim. - Daniel fitou as cartas em sua mão - posso ficar com elas?

Eu apenas o encarei enquanto ele as guardava no bolso da sua calça jeans.

- Não acho que queira ler isso.

Daniel estava prestes a responder, mas o barulho da porta da entrada se abrindo o fez desistir.

- Acho que ela chegou... - sussurrei.

- quer que eu fique aqui?

Fiz que não, e o peguei pela mão.

- pronta? - ele perguntou.

- pronta.

Desci as escadas de mãos dadas com Daniel, mas parei assim que a vi. Ela não nos viu, estava de costas, ocupada com alguma coisa na sala.

- vamos, você consegue. - Daniel sussurrou em meu ouvido. - Eu ficarei aqui, ok?

Desci mais um degrau, depois outro e a cada degrau que eu descia, mais perto eu chegava de minha mãe. Mais perto eu chegava do momento que tentei evitar.

- Mãe. - falei.

Seu corpo ficou tenso, e ela se virou lentamente para mim. Os olhos de mamãe se encheram de lágrimas, e ela correu ao meu encontro. Me abraçou de uma forma tão terna e foi como se ela tivesse medo de que se não me segurasse forte o bastante eu iria embora com o vento.

- me desculpe mãe. - continuei, e antes que eu pudesse evitar, lagrimas rolaram de meus olhos.

Ela não respondeu, apenas continuou ali me abraçando.

- Mãe, - sequei uma lagrima - estou com uma pessoa.

Me desvencilhei dos braços dela e fui até o pé da escada, onde Daniel se encontrava, peguei sua mão e o levei até minha mãe.

Ela novamente não respondeu, mas percebi que estava ponderando sobre a grandiosidade daquela situação. Depois de um segundo ela sorriu e nos puxou para um abraço. E nós três nos entrelaçamos, num emaranhado de corpos.

Anjos na escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora