Acendo todas as quatro velas pretas que comprei em uma lojinha muito esquisita, suspirando dramaticamente enquanto o faço. Sinto-me em um filme de terror. Acendo também o incenso, só por precaução, pois não quero que meu quarto fique fedendo por muito tempo e realmente acho que velas pretas dão azar. Por fim, desligo a luz e noto que me encontro numa cena um tanto creepy.
Sento-me no chão do quarto, sobre minhas pernas. A minha frente, o tabuleiro Ouija repousa estirado, me encarando. O encaro de volta, semicerrando os olhos. A moeda de prata pura está sobre ele, pois não sou burro e não quero correr o risco de ser perseguido por demônios futuramente.
Toco o ponteiro de vidro com a ponta de meu dedo levemente, fechando os olhos. Suspiro dramaticamente mais uma vez. Estou pronto para o que quer que seja.
Então a porta se abre bruscamente. Sinto que estou virando minha cabeça a trezentos e sessenta graus, arregalando meus olhos e escancarando minha boca enquanto encaro Mali-Koa, a irmã mais velha, parada com a mão ainda na maçaneta. Ela analisa toda a cena: eu em frente a um tabuleiro ouija, com velas pretas ao meu redor e um incenso com cheiro esquisito infestando todo o quarto.
– Mãe! – ela grita. É como se sua voz inundasse a casa inteira. – Calum está tentando falar com espíritos de novo!
– Calum, pare de tentar falar com espíritos! – minha mãe grita em resposta. Sua voz é preguiçosa. Ela soa cansada demais para interferir nas constantes brigas de seus filhos.
– Sai daqui, Mali! – digo, levantando-me e correndo até a porta. Tento fechá-la, mas Mali-Koa é mais forte que eu. Ela consegue me parar apenas colocando um pouco mais de força ao segurar a maçaneta.
Desisto de tentar medir forças com a minha irmã mais velha.
Ela entra em meu quarto quando eu me dirijo para o centro novamente, dentre as velas, mais uma vez em frente ao tabuleiro. Sento-me no chão mais uma vez, suspirando. Estou cansado.
– Por que você ainda tenta? – ela pergunta, usando sua voz de irmã mais velha compreensiva. Gosto dessa sua versão. – Você sabe que não funciona.
Mali-Koa tem razão. O tabuleiro não funciona e nunca irá funcionar, a menos que eu jogue com outra pessoa. É uma regra estúpida, mas ainda verdadeira. As pessoas influenciam as respostas, movem seus dedos para assustar umas as outras ou por qualquer outra razão mais simples. Jogo sozinho e tudo que ganho é sinceridade: aquela porcaria não funciona.
– Jogo porque quero falar com ele.
Ela suspira. Eu suspiro. Somos os irmãos que compartilham do mesmo suspiro dramático.
Mali não precisa que eu lhe diga quem é ele, pois passei os últimos oito anos fazendo isso.
Passei minha infância inteira brincando no bosque ao redor da minha casa. Enquanto metade das crianças comuns gastavam suas tardes ferrando com seus dedos dos pés ao jogarem futebol no asfalto quente e a outra metade estava começando a descobrir a tecnologia da época, eu, a exceção, passava não só as tardes como também as manhãs – e às vezes também as noites – escondido na minha casa da árvore.
Muitas coisas aconteceram entre aquelas quatro paredes de madeira. Quer dizer, não essas coisas. Coisas de criança. E de pré-adolescentes na puberdade, se quer saber. Claro que eu estava sempre sozinho. Ninguém nunca entrou lá além de mim e Mali-Koa, porém a presença de minha irmã só foi necessária porque eu precisava de uma pequena ajudinha com a pintura, nada demais.
Eu passava o tempo todo lendo revistas em quadrinhos, brincando com meus bonequinhos de super-heróis e jogando uma bolinha de tênis contra a parede quando estava entediado. Fazia piqueniques sozinho e jogava futebol com as árvores. Pensando bem, eu era uma criança solitária. Muito solitária. Eu era solitário pra caralho.
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white wings • au!cashton
FanfictionAshton morreu no exato dia em que Calum nasceu. Desde então, tornou-se seu anjo da guarda, destinado a protegê-lo até seu último dia de vida. Como todo bom anjo, Ashton precisava se manter nas sombras, apenas observando seu protegido e garantindo su...