Eu não escolhi ser um anjo. Eu estava destinado.
A morte é única, singular. Ela é diferente em cada caso. Lembro-me da sensação de estar partindo, desmanchando-me; você sente a sua alma se desprender de seu corpo até que você se esqueça qual a sensação de estar em um corpo. A água em meus pulmões, a garganta fechada, o desespero — tudo se esvaiu gradativamente. O horror por estar me afogando se transformou em calmaria.
De repente, eu estava em um bosque. As árvores eram completas desconhecidas, bem diferentes daquelas próximas à área da represa. Entretanto, eu não estava perdido. Era como se eu soubesse exatamente para onde deveria ir. E eu fui. Caminhei por entre o mato baixo, sem senti-lo sob meus pés descalços. O vento, que balançava as folhas, não fazia cócegas em meu rosto. O mundo parecia mais lento; eu parecia mais leve.
Não sei ao certo por quanto tempo andei — minutos, segundos, horas. É difícil dizer. Tudo o que sei é que, em algum momento, senti que deveria parar. Ouvi um som incomum, como se algo estivesse batendo em uma parede de forma descompassada. Caminhei na direção do som, subitamente relutante. A ansiedade crescia em meu peito pela primeira vez. Não demorou muito para que eu percebesse de onde vinha o som: no alto de uma grande árvore, no meio da floresta aparentemente vazia, havia uma casinha.
Subi os degraus da escadinha, o medo iminente tomando cada vez mais espaço. Não sabia o que esperar, mas o que encontrei ali dentro definitivamente foi contra todas as minhas expectativas. Um garotinho, aparentemente da minha idade, estava deitado de bruços; as pernas se balançando impacientemente enquanto uma bolinha de tênis era jogada contra a parede em uma clara expressão de tédio. Eu suspirei aliviado.
— Ei — chamei. Ele não respondeu, apenas continuou quicando a bolinha. — Você pode me dizer onde estou?
O silêncio era torturante. Ele estava me ignorando completamente, agindo como se eu não estivesse ali. O som da bolinha batendo contra a parede estava começando a me irritar. Coloquei meu corpo na frente do garoto, os braços cruzados, e me agachei para olhá-lo nos olhos. Ele era moreno e tinha feições asiáticas, bem como um grande nariz de batata. Mexi minhas mãos em frente ao seu rosto e ele finalmente parou de jogar a bola de tênis. Seus olhos encontraram os meus e ele sorriu.
— Estava aguardando a sua visita, Ashton — disse uma voz atrás de mim. Virei-me abruptamente, levando um susto. Por algum motivo, o nome Ashton havia soado estranho aos meus ouvidos, como se eu já não mais soubesse que era assim que me chamavam.
No canto da casa na árvore, sentada em um banquinho de madeira, uma figura estranha me olhava nos olhos. A mulher tinha um sorriso gélido que combinava com suas íris, tão azuis e frias, que me causavam arrepios. Sua pele jovem era pálida e seus cabelos eram de um loiro claríssimo. Contudo, ela não parecia pertencer à cena em questão. Eu sabia que algo estava errado.
— Não tenha medo — pediu a mulher gentilmente, me chamando com os dedos. Sua voz me atraía como o canto de uma sereia. Eu era um pirata rumando diretamente a uma armadilha mortal.
— O que aconteceu comigo? — perguntei ao me postar em sua frente. — Quem é você?
— Você está morto, meu pequeno — respondeu. Os pelos em meu braço se eriçaram. Ela não precisou responder a segunda pergunta para que eu constatasse, sem muita dificuldade: ela era a Morte. O garotinho asiático voltou a quicar a bolinha e eu o olhei fixamente. Meu coração pesava, enquanto um bolo crescia em minha garganta. Eu não sabia o que pensar. — Calum Thomas Hood — a Morte anunciou de repente, tomando minha atenção para si novamente. Percebi que ela apontava para o menino, sorrindo em sua direção com ternura. — O destino de vocês dois está entrelaçado de uma forma tão bela... — ela fechou os olhos. Encarei Calum, descrente.
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white wings • au!cashton
FanfictionAshton morreu no exato dia em que Calum nasceu. Desde então, tornou-se seu anjo da guarda, destinado a protegê-lo até seu último dia de vida. Como todo bom anjo, Ashton precisava se manter nas sombras, apenas observando seu protegido e garantindo su...