We're not on fire (yet)

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A imagem que vejo refletida no espelho do banheiro trincado do quarto de Calum me causa certa estranheza. Tenho evitado encarar meu próprio reflexo ultimamente, mas hoje o faço, vendo-o me encarar de volta, um olhar perdido em meio a um mar de perguntas sem respostas. Sinto como se estivesse em frente a um total desconhecido. Tudo em mim parece diferente do habitual: meus olhos, antes âmbar, escurecem em um tom quase castanho; meus cachos roçam meus ombros, dando-me um ar mais sério; fios de barba crescem em meu queixo, não importa o quanto eu insista em apará-los. Meu rosto não apenas aparenta maturidade, ele está, de fato, mais velho. Estou envelhecendo.

Retiro a camisa preta com a estampa de um círculo branco e coloco-a por sobre a privada. Solto um longo suspiro antes de apoiar as duas mãos na pia molhada e, em um súbito de coragem, esticar minhas asas. Asas. Não sei se ainda posso nomeá-las desta maneira. Antes, eram tão brancas que chegavam a brilhar, exalando minha aura angelical a quilômetros. Agora, não passam de um amontoado de penas marrons que mais se parecem com folhas secas no outono, caindo lentamente com o passar dos dias. Assim como meus poderes, aos poucos estou perdendo minhas tão preciosas asas.

Perdi a capacidade de ler pensamentos, materializar objetos e até mesmo a de me manter na idade que quero. Como se não bastasse, agora não consigo mais ficar invisível ou me comunicar com outros anjos — além de tudo, quando rezo, nada acontece. Eu deveria ser imediatamente transportado para o Céu, contudo, é como se eu fosse apenas um mortal comum. E isso me deixa irritado.

Observo novamente a figura que me encara e tudo o que vejo é o reflexo de um anjo caído. Não, não é verdade. Eu não caí! Há alguns anos, tive o desprazer de presenciar a queda de dois anjos. Eles haviam cometido atos horrendos dos quais não me lembro ao certo. Tudo o que me lembro é de que houve um julgamento e, quando a sentença foi anunciada, suas asas se tornaram instantaneamente negras como piche. A Morte então surgiu em meio às trevas e, com seus lábios gélidos, beijou-lhes. Eles então desapareceram por um corredor esquisito e nunca mais foram vistos. Certamente, foram banidos para o Inferno.

O que vem acontecendo comigo é bem diferente. O processo é lento e doloroso. Estou sendo obrigado a encarar minha queda gradativa, obrigado a viver na incerteza. A qualquer momento posso ser expulso do Céu. Ou posso simplesmente continuar a caminhar pela Terra, misturando-me entre os mortais. A segunda opção é tentadora demais. O Destino não seria tão bonzinho comigo, seria? Apenas me pergunto se...

— Ashton Irwin! — o tom de Calum é irritado quando ele chama por meu nome, dando três batidas insistentes contra a porta. A menção de meu sobrenome faz com que eu estremeça, imediatamente encolhendo minhas asas. Recomponho-me antes de atendê-lo. — O que voc-ah — subitamente, sua voz morre. Ele engole em seco. Demoro alguns segundos para compreender o porquê de seu olhar ter sido desviado para o chão: ainda estou sem camisa.

— Algum problema? — questiono-o, o canto de meus lábios se arqueando naturalmente. É inevitável não provocá-lo numa situação dessas. Calum então se esforça para olhar em meus olhos (e somente em meus olhos!), controlando-se para agir naturalmente.

— Você poderia, por favor, colocar sua camisa de volta?

Cruzo os braços, levantando uma das sobrancelhas ao dizer de forma divertida:

— Decidi que vou assim — indico meu peitoral descoberto. — O que você acha?

— Acho que você está querendo me matar — ele entra no banheiro e apanha a camisa de sobre a privada, mantendo a expressão séria. — Você é meu anjo da guarda — Calum coloca a peça em meu peito, esperando que eu a segure. Faço isso. — seu dever é evitar que eu tenha uma parada cardíaca, não causar uma.

white wings • au!cashtonOnde histórias criam vida. Descubra agora