Capítulo 3

807 47 0
                                    

- Então querida, como correu o teu dia? – A minha tia gritou da cozinha assim que ouviu a porta de entrada abrir.
- Bem. – Limitei-me a responder.
- Ainda bem. – Sorriu. - O que queres para o almoço? – Ela perguntou, saindo da cozinha com o seu avental azul e um pano na mão. 
- Não tenho fome. – Respondi enquanto encolhia os ombros. Subi as escadas, dirigindo-me ao meu quarto, procurando algum conforto. Pude ouvir minha tia chamar-me, mas não liguei.
Larguei a  minha mala e sentei-me perto da minha varanda, observando o reflexo das minhas lágrimas a escorrerem pela minha cara. Lágrimas essas que nunca acabavam. Pude ver um pequeno rapaz brincar no parque infantil mesmo em frente à minha casa. Livre, feliz, sem saber os perigos que lhe esperavam. Agarrava as minhas pernas fortemente. Os meus cabelos caíam sobre a minha cara encharcada. Quanto tempo irá isto durar? Observei atentamente o meu reflexo mais uma vez, desviando meu cabelo. As manchas no meu pescoço estavam ainda maiores. Coloquei os meus joelhos no chão e rodei sobre eles, abrindo a gaveta em que guardava os meus cachecóis. Coloquei rapidamente umum deles à volta do meu pescoço, escondendo um dos sinais do meu sofrimento. Limpei as minhas lágrimas e tentei agir como se nada se passasse.
- Querida, o almoço está pronto, anda comer, nem que seja só um bocadinho! – Ouvi a minha tia gritar lá de baixo. Desci lentamente as escadas, contrariada, olhando para aquela casa que não deixava de ser estranha.
- Bacalhau com natas, a tua comida favorita, não é? – A minha tia perguntou assim que meteu o tabuleiro em cima da mesa.
- Sim. Mas eu não tenho muita fome. – Respondi sentando-me. Ela olhou para mim e sentou-se ao meu lado, agarrando as minhas mãos. Outra vez aquela conversa não.
- Eu sei que isto não é fácil para ti. Não é nada fácil. Mas tens que acreditar que ela continua aqui… Pode não estar cá fisicamente, mas… – Ela disse não largando as minhas mãos e eu não consegui evitar chorar, mais uma vez. Não era só a minha mãe. Era tudo. Cada vez que me lembrava do que aquelas cinco pessoas me tinham dito, acerca de eu estar sozinha, ficava ainda mais irritada.  – Olha para mim. – Ela disse levantando a minha cara. – Tu és uma rapariga forte, fantástica, e tu vais ultrapassar isto.
- Olha para ti, a dizer que eu sou isto e aquilo. Tu nem me conheces. Tu nunca me viste na vida e foste a única pessoa que esteve aqui para mim. Se não fosses tu, provavelmente estava num orfanato. Eu estou sozinha. Não tenho ninguém. – Eu disse, olhando para os olhos claros dela. Eram iguais aos da minha mãe. 
- Que me dizes de hoje irmos dar uma volta? Isto aqui é muito diferente de Portugal, acho que devias conhecer melhor o sítio onde vives. – Ela disse mexendo no meu cabelo, da mesma maneira que Chad o fez. Da mesma forma que ele começou por me magoar. Estes pensamentos fizeram com que, instintivamente, me levantasse.
- Desculpa querida, não sabia que não gostavas que te mexessem no cabelo... – A minha tia disse, confusa.
- Eu não tenho mesmo fome, desculpa. – Afastei-me da mesa e subi de novo as grandes escadas daquela casa. A minha tia olhava-me da mesma maneira que a minha mãe me olhava sempre que eu a desiludia. Não. Eu não podia magoar mais ninguém, não agora!

How to save a lifeOnde histórias criam vida. Descubra agora