Capítulo 36

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Quarta-feira (19 de Fevereiro)
Acordei com o transparecer do sol nos meus olhos. Abri-os, pestanejando logo de seguida, tentando adaptar-me àquela claridade. Tinha um pressentimento, não sabia se era bom ou mau, apenas sentia. Corri até à casa-de-banho após perceber que estava na hora de me levantar, para conseguir ir até casa do Harry antes de me dirigir à escola. Lavei a cara com uma porção de água gelada e vesti-me logo de seguida. Procurei a minha escova entre as gavetas e passei-a pelo meu cabelo comprido. Peguei na minha mala e desci as escadas correndo, deixando mais uma vez a cama por fazer. Abri a dispensa e saí assim que as minhas mãos encontraram uma qualquer barra de cereais. Ainda pude ouvir a voz da minha tia ao longe, mas eu já não estava sequer em casa. Caminhei a passos largos até à casa do Harry enquanto metia a barra de cereais na minha mala e finalmente toquei à campainha. Esperando que fosse Anne a abrir-me a porta, espantei-me ao ver o rosto de Harry assim que a porta abriu. Lancei-me na sua direção e beijei-o enquanto ambos sorríamos.
- Bom dia princesa. - Ele disse sorrindo.
- Bom dia príncipe. - Respondi rindo.
- Samanta, tu ajuda-me a convencer este rapaz a ficar em casa! - Anne gritava ao aparecer perto da porta. 
- Harry, tu por acaso não estás a pensar em ir para a escola, pois não? - Eu perguntei largando-o e colocando as mãos na cintura.
- Não só estou, como vou mesmo. Não quero ficar preso em casa! - Ele disse teimoso.
- Harry! Repouso total. - Eu disse quase soletrando as palavras. - É para o teu bem! 
- Não, a única coisa que me podia fazer ficar pior era ficar em casa o dia todo. Nem penses. Eu vou. - Olhei-o repreensivamente.
- Anne? - Eu olhei para ela como perguntando "digo sim ou insisto para que não?"
- Harry, tu não podes ir à escola. Vais ficar em casa a descansar. É melhor para ti, e para todos! Só nos vais preocupar mais, imagina que acontece alguma coisa? Nem penses. - Ela disse rápido, carregando o seu "nem penses". Ele olhou para mim quase implorando para eu o deixar ir comigo. Eu acenei negativamente com a cabeça e beijei-o passando a minha mão pelos seus cabelos encaracolados.
- Vemo-nos logo. - Afastei-me e fui até à escola olhando apenas uma vez para trás, vendo a sua expressão triste. Lancei-lhe um beijo e continuei andando até à escola. No portão encontrei Hannah e Jess. Lembrei-me de quando ali tinha entrado da primeira vez, não sei bem porquê. Mais à frente encontrei Louis, Zayn, Niall e Liam. Dirigimo-nos cada um à sua sala e ficámos apenas desenhando nos livros, não tentando nem fingir que ouvíamos a professora. 
- O vosso colega Harry está neste momento em recuperação de um acidente de carro que teve. Ele é um exemplo para vocês, um exemplo do qual devem reter que devem ser responsáveis a conduzir. - Liam, Niall, Hannah e Jess olharam para a professora com a mesma expressão que eu.
- Desculpe? - Eu perguntei insultada.
- Tem algo a dizer Samanta? - A professora perguntou como se nada se tivesse passado.
- Por acaso sabe os motivos pelos quais ele teve aquele acidente? Sabe o porquê de ele quase ter morrido? - Eu quase gritei.
- Não, não sei. No entanto, não deixa de ser um exemplo para os seus colegas, muitos deles na idade de começar a tirar a carta de condução. - Ela falou calma.
- O Harry não é exemplo nenhum para como conduzir ou deixar de conduzir! Os travões do carro foram tirados, sabe o que isso significa? Ele não teve qualquer interferência no acidente! - Agora sim, eu gritava. Senti Liam agarrar-me nos ombros tentando acalmar-me, sendo que com toda a raiva com que estava nem me tinha apercebido de que me tinha levantado. 
- Liam, importa-se de ir lá fora com a Samanta para ela se acalmar? - A mulher perguntou.
- Não. - Ele afirmou também com algum desprezo, pois sabia que no fundo eu estava certa. Levou-me até ao átrio para que me acalmasse. 
-Liam, por favor... Podes ir chamar o Louis à sala dele? Eu preciso de falar com ele... - Eu implorei.
- Claro, pequena. Volto já. - Ele disse dirigindo-se à sala do Louis após me abraçar.
- Obrigada Liam. - Eu disse caminhando de um lado para o outro. Após alguns minutos Louis aparece no átrio. Abracei-me a ele e larguei-me em lágrimas, não as conseguindo conter. 
- Porque é que as pessoas falam tanto sem saber, Lou? Porquê? - Eu perguntava agarrando com força a sua camisola, enquanto ele me acalmava passando uma das suas mãos nas minhas costas, e outra no meu cabelo. 
- Porque não percebem que isso pode magoar certas pessoas. - Ele sussurrava. Notei que também ele chorava. Já devia saber o que se tinha passado.
Estávamos agora sentados encostados à parede do átrio, vendo os ponteiros do relógio passar. Nem eu nem ele queríamos voltar à aula. O silêncio pairava por toda a escola, apenas se ouvindo o eco das nossas vozes sussurrando. - Já falaste com o Harry? - Ele perguntou. Eu sabia perfeitamente do que ele falava.
- Não... - Eu disse baixando a cabeça. - Não agora. Ele está numa fase difícil...
- Nunca vai ser a altura perfeita Sam. Tu só tens que lhe contar. Mais tarde ou mais cedo vais ter que o fazer, estando ele numa fase má ou menos má.
- Eu sei. Mas eu não consigo falar nisso ainda... Nem pensar consigo sequer. Ou talvez tenha apenas medo de o pensar, e de o falar. - Eu brincava com as mangas da minha camisola até que a campainha tocou. Esperámos por Liam, Niall, Hannah, Jess e Zayn.
Não apareci na aula seguinte, que seria a segunda parte da aula de Geografia, com a mesma professora. Felizmente Jess e Hannah trouxeram as minhas coisas, facilitando assim que eu fosse para casa naquele momento, sem ter que me cruzar novamente com aquela mulher que falava do que não sabia. Cheguei a casa e sentei-me no sofá, exausta. Liguei a televisão e meti num canal qualquer, encostando melhor as minhas costas ao sofá. Os meus dedos passavam pela minha testa, tentando acalmar-me e esquecer-me de tudo aquilo, mas era impossível. Fechei os meus olhos e tudo o que via eram memórias e imagens súbitas. Abria os olhos novamente e via uma casa para a qual tive que me mudar após tudo aquilo que me aconteceu. Pensei em ir até casa do Harry, mas não ia arriscar-me a ouvir a pergunta mais óbvia, "Porque estás aqui a esta hora? Porque faltaste à aula?!". Eu só queria afastar-me de todas estas coisas, precisava de dormir e não ter um único sonho, não ter uma única imagem a passar na minha cabeça. 
Acordei umas horas depois com a minha tia acordando-me. Tinha o telemóvel na mão e pelos vistos a chamada era para mim.
- Querida... É o teu pai... - Ela disse receosa e triste. Peguei no telemóvel com bastante medo do que pudesse acontecer. No entanto, ainda tinha esperança de que fosse uma boa notícia.
- Estou? - Eu disse pegando no telemóvel, ainda ensonada. A minha tia foi até à cozinha, deixando-me à vontade.
- Querida! - Ele gritou. - Tenho boas notícias para ti. - O meu coração disparou. O que para ele costumavam ser boas notícias, para mim eram péssimas.
- Diz... 
- Vou poder ir buscar-te mais cedo que o previsto. - Tremia de medo. Não podia ser. Não. - Ora bem hoje é quarta... No sábado estou aí para te ir buscar. - Ele terminou. Estremeci de medo, ansiedade, nervosismo, angústia. 
- Ok. - Não consegui dizer nada mais. Desliguei o telemóvel e não consegui evitar as lágrimas. Não ia sequer tentar não chorar. Não tinha razões para sorrir, nem uma. Não tenho noção dos movimentos que fiz, das vezes que me levantei e voltei a sentar, das vezes que levei as mãos à cabeça, das vezes que apertei as mãos, das vezes que me apeteceu gritar "Não" e apenas uma vez o fiz. A minha tia apareceu percebendo que já tinha conversado tudo o que tinha a conversar com o meu pai. Sinceramente não me consigo lembrar da conversa que tive com ela. Eu não conseguia pensar em condições, não sei sequer se lhe consegui responder. O mundo parou, por completo. Eu não me lembro de ter respirado, de me ter mexido, nem consigo enumerar todos os pensamentos e memórias que tive. Apenas me lembro de ouvir a minha tia falar de me ir desinscrever da escola, e me transferir para uma lá em Portugal. Inglaterra era a minha casa. AQUELA era a minha casa, bem perto da casa do homem da minha vida que agora mais que nunca precisava de mim. Dirigi-me à casa-de-banho sem nada comer e apenas me lembro de ver o sangue escorrer pelo meu pulso, por trás da minha visão enublada e desfocada devido às lágrimas. A cor vermelha do meu sangue parecia mais escura que a cor normal do sangue, mais escuro devido à raiva e angústia. Peguei numa ligadura, enrolei-a em torno do meu pulso e dirigi-me à cama, deitando-me na mesma, chorando até amanhecer. Lembrando-me de cada pequeno pormenor. Gemendo de dor, física e psicológica. A cada momento que passava pelos meus olhos, mais duas ou três lágrimas caíam, mais a minha garganta doía por tentar travar as lágrimas. Eu só tinha dois dias. Dois dias para me despedir de quem amo, de quem sempre me apoiou. Dois dias para me despedir da minha verdadeira casa, aquela que me acolheu quando tudo o que lhe podia dar em troca eram lágrimas. 

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