Capítulo 38

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Segunda-feira (24 de Fevereiro)
Já tinha chegado a Portugal. Olhava para a casa do meu pai com desprezo, não suportando a ideia de que aquela iria substituir a minha casa. A viagem demorou dois dias, pois viemos de carro. O meu corpo secou completamente, dada a quantidade de lágrimas que deitei durante a viagem. O meu pai chegou a perguntar "Porque é que tanto choras, filha? Não estás contente por ires viver com o pai?". De facto não estava, mas não o ia magoar com isso. Não ia magoar mais uma pessoa. Respondi que simplesmente tinha saudades dos meus amigos, e ele dizia que isso ia passar. Agora eu perguntava-me como queria ele que passasse, se eu não tinha contacto nenhum com eles, se ele não me deixava alternativa, se não me deixava utilizar sequer a internet ou um telemóvel. 
- O que achas? - Ele perguntou sorrindo, fechando a porta do seu carro branco e encostando-se ao mesmo, olhando orgulhoso para a sua casa. Tirei algumas das minhas malas do carro nada respondendo, e carreguei-as até à porta. O meu pai pegou na minha última mala e trouxe-a para perto de mim, trancando as portas do carro e abrindo a porta da sua casa. Olhei para ela e não via o brilho a que estava habituada, a luz, a alegria. Apenas alguns móveis de madeira, plantas encolhidas na escuridão e ao fundo uma pequena janela com os estores entreabertos. Continuei a andar até ao meu novo quarto. Pousei as malas e o meu pai apareceu por trás de mim com a minha outra mala, deixando-me sozinha. As paredes já não eram tão alegres, eram simplesmente brancas, tristes, vazias... Olhando para elas sentia-me fria, solitária... Fechei a porta do quarto e ao olhar à volta reparei na ausência da casa de banho onde eu tanto chorei, a casa de banho onde me cortei antes de me mudar novamente para aqui. Aquela onde eu me via ao espelho e pensava se estaria bonita o suficiente para o rapaz que me fazia arrepiar e sentir borboletas no estômago. Depois, reparei que a cama não era a mesma onde eu tinha dormido aconchegada por ele. Já não encontrava a mesa de cabeceira onde tinha uma fotografia retratando o meu riso idiota e o dele, que me pegava ao colo entre árvores cobertas de neve. Onde lá ao fundo se via o Louis e a Hannah a mandar bolas de neve um ao outro. Onde no canto direito estava o Zayn e a Jess em mais um dos seus momentos românticos, e no lado esquerdo estava o Niall rindo para o Liam, que premia o botão para tirar a fotografia. Abri uma das malas e encontrei essa mesma fotografia, que agora não passava de uma memória que não podia ser recordada ao lado deles. Uma memória que iria ser recordada por mim, sozinha, nas minhas noites de solidão enquanto me lembrava destes momentos, chorando que nem uma criança que sente saudades do seu peluche favorito, que perdeu no parque. Sentia que devia ter-lhe contado antes, ao Harry... O Louis disse-me. Mas eu ouvi? Não. Eu nunca faço a escolha certa, nunca acho o momento certo para fazer as coisas. Mas é assim que eu vivo, não é? Esperando a decisão dos que me rodeiam para tomar a minha. O problema é que espero sempre a decisão dos que não devo. Neste caso esperei a do meu pai, que me ligou a avisar que a minha vida em Inglaterra ia acabar. E pensar que não fui capaz de ligar ao Harry e pedir que fosse ter comigo para lhe contar, sabendo que mesmo assim já era tarde demais. Pelo menos não seria tão tarde como aconteceu, que segundos antes de me ir embora é que tive coragem de me despedir. Coloquei a fotografia no chão, com a moldura azul-clara que a compunha. Continuei a tirar coisas da mala que lá tinha posto com tanto cuidado. Fotografia atrás de fotografia, carta atrás de carta... Cada uma delas tinha uma história, uma lembrança. 
- Precisas de ajuda a meter os lençóis na cama? - O meu pai perguntou entrando pelo meu quarto com os lençóis na mão, sem pedir qualquer permissão, não me dando tempo de esconder o que tinha na mão.
- Pode ser. - Eu disse colocando de novo as coisas na mala e fechando-a rapidamente. Eu não me sentia em casa, nunca irei sentir. Sei que disse o mesmo quando me mudei para Inglaterra. Mas é tão diferente agora. Portugal apenas me faz lembrar a minha mãe. Portugal tirou-me qualquer alegria, tirou-me a minha mãe e agora todos os meus amigos e o rapaz que amo. Tirou-me a minha própria vida. Eu não me sinto bem aqui. Este não é o meu lar. É apenas algum sítio no desconhecido da minha felicidade, onde eu me sinto vazia, sozinha e desesperada. É apenas um sítio. Uma casa. É o cemitério da minha alma, que chora e grita desesperadamente para voltar. Voltar à minha felicidade.

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