Capítulo 45

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7 de Maio de 2016 (4 anos depois)
http://www.youtube.com/watch?v=HTy54hMMr44
Estava pronta para voltar. Pronta para enfrentar o meu passado, todas as recordações, todas as memórias. Eu era diferente agora. Mais adulta, com outros objectivos. O meu pai tinha-me ajudado a cuidar da Nancy como se fosse sua filha, estava-lhe grata por isso. Agora, quatro anos depois, estou pronta para ir atrás do que melhores condições de vida me proporcionar, e o que veio até mim foi Londres. Encontrei uma oferta de emprego, numa cidade que me dá melhores condições de vida do que Portugal. Vou trabalhar numa loja de roupa. Sei que não é nada de especial, mas aqui em Portugal nem isso mesmo consegui, então agarrei-me a esta oferta. A loja é bastante conhecida, de uma amiga da minha tia. Vou para casa dela enquanto não encontrar uma casa, porque já tenho o dinheiro. Acabei também por vender o meu carro e vou comprar um novo em Londres. Durante estes quatro anos apenas passei o meu tempo a estudar, trabalhar e cuidar da minha filha. Não tive qualquer distração. Tinha um objectivo, e hoje vou cumpri-lo. 
- Boa viagem, filha. - O meu pai disse enquanto me abraçava, e despediu-se também de Nancy. Estava pronta para ir até ao avião e ouvi-o chamar-me de novo, virando-me. - Eu tenho uma coisa para ti, mas preciso que me prometas que só a vais abrir no avião e que aconteça o que acontecer não vais ficar chateada comigo. - Ele implorou. Olhei-o com uma expressão confusa. - Promete.
- Prometo, pai. - Agarrei na carta que ele tinha na mão, dei-lhe um último abraço, agradeci-lhe por tudo e dirigi-me ao avião, agarrando fortemente a mão de Nancy. Com medo de a perder de vista acabei por pegá-la ao colo e continuei a andar. Entrámos. Sentei-me perto da janela e sentei a Nancy ao meu lado, com ajuda de uma hospedeira. Após descolarmos peguei na carta que o meu pai me tinha dado. Tremia, com medo do que pudesse ser. Eu e as cartas não tínhamos uma boa relação. Abri-a finalmente, e reconheci a letra. Uma lágrima caiu pela minha face e rapidamente comecei a chorar compulsivamente. Ele tinha-me respondido. Ele não me tinha esquecido. "E o nosso filho? Vai ser lindo como tu, e lamechas como eu... Amo-te mais que tudo... Eu espero por ti. Sempre. " Reli a carta vezes sem conta, mas o meu olhar fixou-se principalmente nesta parte. Olhava para o lado e Nancy dormia. Os seus cabelos eram tal e qual os meus, e os seus olhos tal e qual os do pai. O seu sorriso... Bem, acho que era uma mistura de ambos. Ela era linda, de verdade. Continuava a ler e reler aquela carta a que nunca tive acesso durante quatro anos. Porque teria o meu pai ficado com ela? Ele não tinha o direito de ver as minhas coisas... E se tinha visto, pelo menos que ma tivesse devolvido. Eu tinha prometido não ficar chateada com ele, mas eu não conseguia. Lá no fundo eu sabia que ele era uma óptima pessoa. Mas ele não sabe o quanto eu sofri por não ter esta carta. O quanto isto mudou a minha vida! Talvez tenha sido por isso que não ma devolveu. E se eu não tivesse voltado? Quando é que ele me ia dar a carta? Provavelmente nunca... O avião estava prestes a aterrar e eu apressei-me a limpar as lágrimas antes que Nancy acordasse. Coloquei a minha mão nos seus cabelos médios e acariciei-os. Coloquei-lhe o cinto de segurança assim como a mim e aterrámos. Acordei-a com um doce beijinho na testa e peguei-a ao colo, pronta para sair do avião.
http://www.youtube.com/watch?v=2OBDG6SZxGk
Já tinha saudades daquela brisa fresca. Não a senti durante muito tempo, e sonhei bastante vezes com ela. Há quatro anos estava eu naquele mesmo sítio com os meus ténis bejes, calças de ganga simples, uma camisola também simples, beje e por fim um casaco largo, de algodão. Hoje apoiava-me em cima de umas botas castanhas de saltos altos, umas calças de ganga de cintura subida, uma camisa branca e um grande casaco castanho, de malha. Eu estava disposta a ficar. Nada me iria fazer mudar de ideias. Eu ia ficar e ia procurá-lo, nem que essa fosse a última coisa que fizesse. Ia apresentar-lhe a filha linda que ele tem. Ia pedir-lhe desculpas por tudo, principalmente por ter duvidado dele, por ter sequer pensado que ele me teria esquecido. Eu nunca o esqueci. Mas até hoje não me quis preocupar mais com o amor. Nunca mais me aproximei de ninguém. Nunca mais contei a ninguém o que sentia. Fiz tal e qual o que fazia antes de o conhecer. Sentava-me no quarto a chorar sozinha. Não foi fácil tomar conta dela sem ele por perto. O meu pai foi uma grande ajuda, mas não toda a que eu precisava. Tornava-se angustiante fazer o papel de mãe aos 18 anos, começar a trabalhar para sustentar o meu futuro e o da minha filha aos 19 anos. Passar noites sem dormir para me assegurar de que ela estava bem. A verdade é que se o meu pai me tivesse deixado sozinha provavelmente não estaria aqui agora. Não teria sequer dinheiro para comer. Foi ele que me deu um tecto, tudo o que precisava para a Nancy foi ele que pagou. E para mim também. Comida, luz, água, renda, medicamentos, roupa... Enquanto isso eu estive a guardar dinheiro para esta viagem, para uma casa, para uma nova vida.
- Mãe... - Nancy sussurou puxando a minha mão.
- Diz querida. - Eu disse baixando-me
- Estamos em Inglaterra? - Ela perguntou sorrindo.
- Estamos sim meu amor. Numa cidade chamada Londres. Vamos viver aqui. - Eu disse sorrindo e ela sorriu também. - Tens frio? - Ela acenou afirmativamente com a cabeça. Tirei um casaco da mala e vesti-lho, dando-lhe de novo a mão e continuando a andar em rumo à casa da minha tia. A casa onde passei tantas memórias, tantas recordações.
- É aqui. - Eu disse sorrindo. - Sabes, nós somos malandras.
- Porquê? - Ela perguntou.
- Porque a tia da mãe não sabe que tu vens. Não te conhece, não sabes quem és. É uma surpresa - Eu disse e ela riu baixinho. Toquei à campainha enquanto lhe dava a mão. Era agora. Ela não sabia que eu tinha uma filha. Há anos que não tinha novidades minhas. No entanto o meu pai tinha falado com ela para eu vir para cá viver. Só não falou na minha miniatura.
- Querida! - Ela falou assim que abriu a porta. Abraçou-me sem pensar duas vezes, e quando me largou ainda sorrindo o seu olhar dirigiu-se à pequena, fazendo uma expressão confusa e espantada. - Olá! - Ela baixou-se para ficar à sua altura. - Como te chamas pequena? - Ela perguntou sorrindo.
- Nancy. - Ela respondeu. A minha tia deu-lhe um beijinho na testa e levantou-se de novo. Ficou a olhar para mim esperando que eu lhe dissesse quem era aquela menina.
- Ela é minha filha. - Eu disse calmamente e ela ainda mais espantada ficou.
- Uau... - Ela olhou para mim com os olhos arregalados. - Nem sei o que te dizer.
- Eu sei que o meu pai não te falou nela, mas era suposto ser uma surpresa e pensámos que podias deixá-la ficar também, e... 
- Claro que pode ficar! Estás tola? Só não estava à espera desta. - Ela disse ainda confusa.
- Obrigada tia! - Eu abracei-a.
- Entrem. - Ela deu-nos espaço para entrar.
- Nancy, tens sono? - Eu perguntei assim que a vi esfregar os seus olhos. Ela acenou afirmativamente com a cabeça. - Vais dormir um bocadinho então, está bem? Dormes no quarto da mãe. - Eu disse pegando nela ao colo e levando-a até lá. Deitei-a na minha cama, sendo que não era muito alta, e após me assegurar de que ela tinha adormecido, saí e deixei a porta encostada. Desci as escadas e dirigi-me novamente à sala. - Tia... Eu sei que não estavas à espera disto, que é muito para lidar, mas eu vou contar-te tudo. Eu só preciso que não contes a ninguém, fica só entre nós as duas, eu e tu. Nem a Nancy pode ouvir. - Eu sussurei.
- Tudo bem querida, conta. - Ela disse pronta para ouvir tudo o que tinha para lhe contar. Tudo o que se tinha passado nestes quatro anos. Tudo o que tinha lutado, tudo o que tinha sofrido, e principalmente quem era o pai da Nancy. Pronta para ouvir aquilo que nem eu estava pronta para dizer. 

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