Prólogo

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Era o primeiro dia de aula na escola nova. Ela estava ansiosa e muito nervosa. A garota de cabelos cor de terra molhada não sabia como iria se sair em um lugar como aquele. Muitas crianças iam e vinham de um lado para outro ao seu redor e ela continuava ali, parada.

A garota suspirou ao ouvir o sinal tocar e aquilo a fez ficar ainda mais nervosa. Respirou fundo, murmurando a si mesma que tudo daria certo.

Apertou a alça da mochila cor de rosa ao passo que seguiu, ainda confusa, para a sala de número 13. Ao contrário de muitas outras pessoas, aquele número não lhes causava absolutamente nada. Afinal, quando esse número é justamente a data do seu aniversário fica meio difícil odiá-lo.

Allegra acompanhou as outras crianças, adentrando a sala cheia de mesas com capacidade para duas pessoas. Varreu o local com os olhos cor de mar, indo para o fundo da classe.

Não demorou muito para que a professora chegasse e todos a cumprimentassem com um "bom dia" animado.

— Bom dia, turma! — Ela ficou à frente da turma, examinando cada rostinho ali presente. E como em um flash, a garotinha escorregou pelo assento da cadeira na esperança de não ser vista. Péssima ideia. — Vi que há uma amiguinha nova. Qual o seu nome?

— A... Allegra. — Com muito esforço a garota conseguiu falar.

— Seja muito bem vinda, Allegra.

Ambas sorriram. Aquele gesto simples de alguma forma a fez se sentir menos ansiosa. Ou era o que ela pensava, até o momento em que um garoto loiro apareceu na porta. A professora, a quem chamavam de tia Rosa, logo percebeu a ilustre presença, logo o pedindo que entrasse na classe e sentasse em algum lugar vago.

O garoto mordeu os lábios rosados, varrendo com o olhar a classe lotada de alunos. Nenhuma mesa vazia... Era o que ele pensava até inclinar um pouco o pescoço e notar que lá no fundo havia um lugar sobrando.

Ele caminhou um pouco desajeitado por entre as carteiras, e quando finalmente chegou ao seu destino, abriu um sorriso tímido para a garota de tranças em cada lateral da cabeça.

— Oi. — Foi tudo o que ele conseguiu falar, antes de pôr a mochila no chão e sentar ao lado de Allegra. — Qual o seu nome?

— Allegra.

— Me chamo Afonso. — Ele estendeu a mão. Ela estranhou aquele gesto, principalmente vindo de um garoto. Pois na sua antiga escola, da última vez que um deles a cumprimentara assim, a coitada foi vítima de uma brincadeira bastante cruel... Chiclete, cola e em seguida por isso no cabelo não são coisas agradáveis. Nem separadas e muito menos juntas. — Meu braço está cansado...

Ela sorriu amarelo e mesmo com receio o cumprimentou. Sorte que valeu a pena, pois depois daquilo os dois não pararam de conversar!

Ambos estavam tão empolgados, mais pela conversa do que pela atividade chata de matemática, que mal perceberam quando o sinal tocou anunciando que estavam liberados para o recreio.

Seguiram para o pátio sem parar de falar um minuto sequer. Sentaram no chão, perto ao portão que separava as turmas menores das maiores.

— Você gosta de gatos? — O garoto perguntou de repente.

— Gosto, mas meus pais odeiam.

— Eu tenho um. Se chama Branquinho...

De fato, ela nunca tivera nenhum bichinho de estimação. E o fato de seus pais odiarem tudo que dependesse deles para sobreviver, não ajudava muito. E quando se fala em "tudo" quer dizer que eles mal conviviam com a pequena Allegra. A garota praticamente morava com os avós paternos.

Ela continuou comendo seu sanduíche caseiro sozinha, pois o seu mais novo amigo havia ido ao banheiro. Porém, a tranquilidade da menina durou tão pouco quanto o seu lanche em mãos.

Ela se encolheu ao perceber a figura de um garoto bem maior que sua estatura pequena e fina.

— Ei, eu quero esse sanduíche.

— Mas... é meu. — Ela tentou argumentar. Em vão. O garoto, sem mais nem menos, arrancou o pão recheado com queijo, tomate e alface das mãos dela antes que ela pudesse contradize-lo. — Isso é meu...

— Não é mais! — Ele berrou com autoridade.

E antes que ela pudesse se encolher ainda mais, o garoto malvado puxou suas duas marias chiquinhas antes de sair correndo com seu lanche nas mãos.

Allegra tentou segurar as lágrimas, mas elas eram mais fortes do que ela poderia suportar. Os soluços se tornaram um pouco mais altos, mas apenas audíveis para o garoto loiro que acabara de sentar ao seu lado com uma total cara de confusão.

— O que foi, Allegra?

— Ele... — Ela fungou ao passo que tentava controlar os soluços. — Um menino mau roubou meu lanche.

Afonso mordeu os lábios sem saber ao certo o que devia fazer. E com dó da garotinha que não parava de soluçar, abriu a lancheira e deu a sua torrada inteira a ela.

— Pode ficar.

— Mas você vai ficar com fome?

— Eu... — Ele deu de ombros e sorriu. — Eu já tomei o suco.

Alegra abriu um sorriso fraco. Aceitou aquele gesto, mas antes de abocanhar o sanduíche, o dividiu em duas partes e entregou a outra para o garoto loiro que prestava muita atenção em seu gesto.

— Obrigada. — Ela corou.

— De nada, Alegria. — Ele tentou esconder um sorriso.

— Por que me chamou assim?

— É o seu nome.

— Não é não.

— É quase a mesma coisa. — Ele mordeu mais um pedaço. — Só é colocar um I.

De fato, o nome daquela garotinha era praticamente a mesma coisa. A ideia de um nome tão peculiar fora de seu avô em homenagem a sua avó que falecera há muitos anos. No começo, ninguém aceitou a ideia, mas quando a garotinha nasceu iluminando a vida dos avós, não teve jeito.

A onda de alegria que foi causada na família não deixou dúvidas para que aquele nome tão incomum fosse o ideal para a nova integrante da família. Exceto seus pais.

Os dois novos amigos seguiram para a classe acompanhando as outras crianças. Afonso meio sem querer aproximou sua mão da de Allegra. Ela ao invés de ser como as outras meninas de sua idade e gritar o quanto os meninos eram chatos, aquela velha implicância de meninas e meninos, ela apenas apertou sua mão.

Ambos não se olharam nos olhos depois disso, mas seguiram de mãos entrelaçadas até sentarem em sua mesa.

O primeiro dia de aula não fora tão ruim quanto ela esperava. Claro, a parte do menino mau roubando seu lanche e puxando suas trancinhas, ela gostaria de esquecer. Mas ela não gostaria de esquecer que no primeiro dia de aula, fizera um amigo.

Ela jamais imaginara que em tantas crianças, Afonso ia se aproximar justo dela. Ele era um garoto!

Mas ele não se importou com isso. Nenhum dos dois viu o menor problema com o fato de eles serem tão diferentes. Mas como aquele velho ditado "os opostos se atraem", com eles não foi diferente.

A amizade surgiu de um dia que a garota não queria que acontecesse. Mas depois, ela agradeceu mentalmente por tudo aquilo.


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