Capítulo 18

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  Não quero nada
Menos que nada
Nada de nada
Me falta em você eh-eh-eh  
(De Todas as Coisas, Tiago Iorc)


O relógio marcava seis e meia da manhã, quando despertara. Allegra sabia que ainda estava muito cedo, mas o sono não era algo que o seu corpo requisitava no momento. A ansiedade não lhe permitia dormir mais cinco minutinhos. Ou mais algumas miseras horinhas.

Ela já havia conferido umas cinco vezes se as canetas estavam funcionando. Já havia conferido se seus documentos estavam dentro da bolsa e se a própria bolsa estava ali...

Sua avó a havia liberado da padaria naquela manhã. O que fez a garota, de uma certa forma, ficar ainda mais ansiosa. Um tempinho para revisar algumas coisas seria adequado ou a faria pirar ainda mais?

O medo de encontrar nos cadernos algo que não estudara crescia. Ao mesmo tempo em que a consciência lhe dizia que uma revisão não cairia nada mal...

— Ah, céus... — Murmurou, encolhendo-se como um caracol sobre o sofá da sala. — Eu não vou conseguir. Não vou conseguir. Não vou conseguir...

Fechou os olhos com força, desejando que aquilo fosse um sonho. Que não precisaria fazer aquela maldita prova. Que não precisaria encarar a vida! Mas aquilo não era um sonho. Era a vida se mostrando mais complicada do que ela imaginara quando criança. A vida real não chega nem perto daquele modelo expostos nos filmes. Ela é mais difícil.

— Isso é um sonho. Eu não existo. Isso não existe! Eu... eu...

— Você o quê, minha filha? — Seu João sentou ao lado da neta.

— Sou um nada... — Murmurou num fiapo de voz.

Seu João sorriu, acariciando a neta. Allegra, se arrastando, deitou sua cabeça no colo do senhor. Ela suspirou, extremamente cansada. Assustada.

— Você vai se sair bem.

— Você e a vovó gravaram esse CD a onde?

— A gente falava isso sempre, oras.

— Tipo...?

— Quando você tinha que apresentar trabalho na escola ou em provas. E agora eu falo isso também a respeito daquela prova.

Suspirou, sentando-se no sofá. Seu João fitou-a, tentando transmitir no olhar o conforto de que a garota precisava.

— Acho que você já deve ter tido uma conversinha com a sua avó sobre isso, não é?

— E por incrível que pareça ela disse a mesma coisa. Que eu vou conseguir.

— E ela está certa.

— Eu sei, mas... — Franziu a testa, aflita. — O senhor nunca sentiu o mesmo que eu não? Tipo, ficar nervoso demais e achar que tudo vai dar errado?

— Já.

— E o que o senhor fez?

O senhor sorriu, levantando-se e passando a fitar uma foto pendurada na parede. Suas linhas de expressão se intensificaram com as lembranças cômicas daquele dia. Do nervosismo tão pior quanto o da neta.

— Hein, vô?

— Não sei se pode te ajudar, minha filha, mas eu só fiquei nervoso desse jeito no dia em que noivei com sua avó. — Ele voltou a fitar Alegria. — Eu só pensei positivo. Acho que você deveria tentar pensar assim.

— Mas como? Vô, é muito difícil.

— E você não acha que eu sei? Sabe quantas vezes eu pensei que sua avó iria me largar antes de aparecer na igreja? Não por ela, mas pelo pais que não me achavam bom o suficiente. Só porque eu não tinha quase nada de valor... — Ele sorriu fraco. — Eu só tinha esse cordão que agora é seu.

Sorria Alegria! |✔Onde histórias criam vida. Descubra agora