XXII - Perca as esperanças

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Ano de 1515 segundo o calendário de Valhenda - Reino de Austerial - Cidade de Yin - final do mês de Sentium, o nono mês

"Truindir faröer". Uma frase comum entre os anões, que significa algo como cego de raiva. Nunca entendi essa frase, não havia em minha terra natal tal expressão. Por isso nunca entendi como uma pessoa poderia ficar cega de raiva. Os anões eram muito brigões, perdiam a paciência fácil, por isso controlar a raiva para eles era algo primordial. Mas, no momento em que vi Iliana deitada no chão sangrando e Orian parado na minha frente, entendi o que aquilo significava. Não via nada na minha frente, a não ser minha espada e o desejo incontrolável de ver o sangue de Orian sobre ela.

Me vi dando golpes sem rumo certo, coisas que ele desviou com facilidade. Claro, tinha que me lembrar que ele era um exímio lutador com espadas e praticamente invencível, e lutar contra ele em meu estado, totalmente fora de mim, sem conseguir raciocinar direito, era impossível. Ouvia suas gargalhadas ao fundo, e meus olhos apenas focava nele, mas não conseguia acerta-lo. Senti sua espada atravessar minha coxa direita, mas mesmo assim, como que por um milagre, me mantive de pé. Senti seu pé se bater contra meu peito, e fui empurrado violentamente contra a parede, batendo a cabeça.

E então minha visão se apagou e tudo ficou escuro.

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Em meus sonhos, via Iliana repetidas vezes. Em cada uma delas, eu via sua expressão de medo, e seu pedido de socorro. Seus longos cabelos estavam tingidos de vermelho sangue, e seus olhos apenas apresentavam o vazio e o medo. Em cada vez que a via, vi Orian mata-la de um jeito diferente, acertando-a no coração, cortando uma perna, um braço, e até degolando ela. Em cada uma das vezes meu ódio por ele aumentava. Corria na direção dela sempre, tentando alcançar ele e impedi-lo, mas meus pés não saiam do lugar, e a cada passo que eu dava, eles se afastavam mais de mim. "Vim retribuir o favor", a voz de Orian ressoava todas as vezes que meu sonho mudava. O castigo de saber que ela morreu por minha culpa, pela minha fraqueza, estava acabando comigo. Lembro de em uma das vezes, ter pedido para que ele me matasse no lugar. Não fui atendido.

Sai de meus sonhos no momento em que senti uma água extremamente gelada ser jogada contra mim. Abri meus olhos em meio a um repentino ataque de tosse e um frio que queimava minha pele. A primeira coisa que notei assim que abri os olhos foi minha imensa dor de cabeça e pelo corpo todo, e vagas lembranças do que havia ocorrido. A segunda coisa foi que estava num local muito escuro, que apenas tinha um pequeno ponto de luz, que identifiquei ser uma tocha. A terceira coisa que percebi foi que havia dois homens a minha frente, e um deles segurava uma tocha. E a quarta coisa que percebi era que estava preso. Meus pulsos e tornozelos estavam algemados, com uma corrente de mais ou menos 1 metro entre a parede e meu corpo, me dando certa mobilidade para me mover, mas não para fugir. As correntes eram grossas, de modo que seria quase impossível quebra-las, e no meu estado atual, não esperava conseguir tal proeza.

Vagas lembranças invadiam a minha mente, lembrando de pequenos trechos, tentando me lembrar do ocorrido : a invasão em Yin, a luta junto com Brum, a luta contra Orian, a morte de Iliana. "Ela não está morta", repeti a mim mesmo. Naquele momento prometi que sairia dali e encontraria ela. Mas aonde era ali?

A medida que meus olhos se acostumavam com a escuridão, pude começar a perceber aonde eu estava. Uma pequena abertura na parede indicava uma pequena janela, e por ali percebi que estava de noite. Ossos, que imaginei serem humanos, estavam espalhados pelo chão, junto com palhas e outras coisas que preferi não saber. Alguns ratos passavam pelo local, além de outros insetos. Vi os dois homens parados a frente da porta de saída da masmorra aonde eu estava. O que segurava a tocha vestia uma armadura completa, vermelha, com o homem matando um dragão no peito : um soldado. O outro percebi rapidamente de quem se tratava : Orian, sorrindo como se fosse vitorioso.

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