CAPÍTULO 5

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Querido River Phoenix,

O quarto de May na casa do meu pai continua lá. Exatamente igual, só que a porta fica fechada, e não se ouve nada lá dentro. Às vezes eu acordo de um sonho ouvindo passos, como se alguém estivesse voltando para casa depois de uma noitada. Meu coração dispara de emoção e eu sento na cama, até cair na real.

Se não consigo voltar a dormir, eu me levanto e atravesso o corredor na ponta dos pés, giro a maçaneta para não fazer barulho e entro no quarto dela. É como se May não tivesse morrido. Reparo em tudo, e está exatamente igual àquela noite em que fomos ao cinema. Os dois grampos de cabelo sobre a penteadeira. Eu os pego e prendo meu cabelo com eles. E então coloco de volta na mesma posição de antes, apontando para a garrafa vazia de perfume e o batom que ela nunca usava ao sair de casa, mas que sempre estava em sua boca na volta. Na prateleira mais alta da estante está a coleção de óculos escuros em forma de coração, velas pela metade, conchas e geodos cortados, deixando os cristais à mostra. Fico deitada na cama, olho para aquelas coisas e tento imaginar May ali. Vejo o mural cheio de flores secas presas com tachinhas, horóscopos recortados e fotos.

Tem uma de nós duas pequenas, em um furgão, ao lado da minha mãe, no verão. Tem outra tirada antes da formatura - ela está com um vestido longo e uma rosa no cabelo, a mesma que agora está presa ao mural, seca.

Abro o guarda-roupa de May e vejo as camisetas com glitter, as minissaias, os suéteres com a gola cortada, os jeans rasgados na altura da coxa. As roupas são tão ousadas quanto ela era.

Tem um pôster do Nirvana pendurado na parede, acima da cama, e ao lado dele uma foto sua em Conta comigo. Você, com um cigarro pela metade na boca, maçãs do rosto que parecem ter sido esculpidas em pedra e um cabelo loiro de bebê. Minha irmã te amava. Eu me lembro da primeira vez que vimos o filme. Foi pouco antes dos meus pais se separarem, pouco antes de May começar o ensino médio. Ficamos acordadas até tarde, só nós duas, com uma pilha de cobertores e um pacote de pipoca que May tinha feito. Estava passando na TV. Foi a primeira vez que vimos você. Você era tão lindo. Mais que isso, parecia alguém que conhecíamos. No filme, era você que cuidava do Gordie, que tinha perdido o irmão mais velho. Você o protegia. E ainda tinha sua própria dor. Os pais, os professores, ninguém gostava de você por causa da sua família. Quando você falou "Eu queria ir pra algum lugar onde ninguém me conhecesse", May virou para mim e disse:

- Eu queria poder trazer esse menino da tela para nossa sala. O lugar dele é com a gente, você não acha?

Eu fiz que sim.

Quando o filme acabou, minha irmã declarou que estava apaixonada por você. Ela queria saber como você tinha crescido, então ligamos o computador, e May fez uma pesquisa. Havia tantas fotos suas, algumas deConta comigo e outras de você mais velho. Em todas, você parecia ao mesmo tempo vulnerável e durão. E então ela viu que você tinha morrido.

De overdose. Com apenas vinte e três anos. Foi como se o mundo tivesse parado. Você estava ali, quase na sala com a gente. Mas não estava mais vivo.

Quando me lembro dessa história, parece que foi naquela noite que tudo mudou. Talvez a gente não entendesse direito na época, mas, quando lemos sobre sua morte, descobrimos o que podia acontecer com a inocência.

Depois de um tempo, May desligou o computador e enxugou as lágrimas.

Disse que, para ela, você sempre estaria vivo.

Todas as vezes que assistimos a Conta comigo depois disso (a gente comprou o DVD e revia direto), tirávamos o som naquela parte em que Gordie dizia que o Chris, você, tinha morrido. Não queríamos aquilo. Sua imagem, com a luz formando um halo na sua cabeça - você era um garoto, um garoto que podia se tornar um homem de verdade. Só queríamos ver você ali, perfeito e imortal, para sempre.

Sei que May está morta. Quer dizer, uma parte racional de mim sabe, mas não parece verdade. Ainda sinto como se ela estivesse aqui, comigo, de alguma maneira. Penso que ela vai entrar pela janela, depois de sair escondida, e me contar como foi a aventura. Se eu for mais desapegada, como May, talvez aprenda a viver sem ela.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora