CAPÍTULO 66

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Queridos Kurt, Judy, Elizabeth, Amelia, River, Janis, Jim, Amy, Heath, Allan, E. E. e John,

Escrevo para agradecer a todos vocês, porque acho que esta vai ser a última carta. Parece ser a coisa certa. Ontem foi o último dia de aula.

Quando o último sinal tocou, os corredores viraram uma festa. Passei pelos gritos e pelos vivas e fui até o beco encontrar meus amigos. O ar pairava enigmático, não sabíamos se devíamos ficar tristes ou festejar; então, quando Tristan chegou, ele foi até Kristen, deu um tapinha na bunda dela e disse:

— Como vai minha gata de Nova York?

Ela sorriu. Para eles, era realmente o último dia na escola. Tristan disse que isso era motivo para comemorar, e Kristen concordou.

Então todos nós fomos para a casa dela, e ele fez um montinho com os gravetos do jardim e colocou fogo com o acendedor de cozinha. Seria como no Ano-Novo, mas desta vez íamos queimar as coisas que queríamos deixar para trás. Tristan pegou objetos que estavam em seu armário e sua mochila — provas de álgebra, relatórios e avaliações com nota vermelha — e começou a colocar fogo neles. Então pegou um trabalho de inglês, em que tirou A, chamado “Perdi o paraíso”. Antes que jogasse no fogo, Kristen pegou o trabalho e disse:

— Vou ficar com ele.

— Você quer meu trabalho de inglês, linda?

— Quero, ficou muito bom.

Tristan olhou para ela por um momento e sorriu.

— Tá. Bom, quem é o próximo? Com certeza não sou o único com alguma coisa para queimar! — A pequena fogueira estava crescendo, comendo as folhas. O sol estava baixo e da mesma cor do fogo.

Hannah jogou provas, depois flores secas, cartas de garotos e, então, olhou para Natalie por sobre o ombro. O fogo iluminou o rosto das duas, e Natalie sorriu de volta. Kristen jogou fotos de Nova York que estavam em seu armário, porque, agora estava indo para lá de verdade, não era mais só um sonho.

Eu queria ser a próxima e pensei no caderno cheio de cartas para todos vocês. Pensei em como elas ficariam, queimando no fogo. Imaginei se a chama as levaria até vocês, onde quer que estejam.

Mas, quando peguei o caderno, não consegui. Em algum lugar, nas cartas para vocês, estava uma história que contei. Algo verdadeiro. Então decidi entregar para a Sra. Buster. A escola continua aberta por alguns dias para os professores terminarem de corrigir provas e dar notas, então, amanhã ou depois, vou deixar o caderno no escaninho dela. Por alguma razão, talvez por ela ter me dado essa tarefa, quero que leia o que escrevi.

Então, em vez de queimar o caderno todo, peguei a última página em branco e a joguei no fogo. Fiquei olhando a folha, suas linhas azuis queimando. Aquilo me fez chorar por todos vocês que deveriam ter vivido mais tempo. E por May.

Depois que a fogueira consumiu a folha inteira, todo mundo ficou olhando para mim.

— Sinto falta da minha irmã — foi tudo o que eu disse. E foi bom dizer aquilo em voz alta. Hannah colocou o braço em volta de mim e limpou as lágrimas dos meus olhos. — Ela teria amado vocês — continuei.

— Se ela tinha alguma coisa a ver com você, nós também teríamos amado sua irmã — Tristan disse e sorriu.

Quando o momento passou, olhamos para baixo e notamos que o fogo ainda estava forte, então Tristan buscou a mangueira do jardim e o apagou.

Ele molhou Kristen e a fez gritar, então espirrou água em todo mundo, e nós o atacamos para pegar a mangueira e jogar água nele. Todo mundo ficou molhado, mas ninguém se importou, porque estava quente naquela noite de verão.

Quando o sol se pôs no horizonte, sentamos no deque, e mandei uma mensagem para Sky, perguntando se ele queria nos encontrar. Quando vi a caminhonete chegar, meu coração disparou. Mesmo sendo começo de verão, ele se aproximou usando aquela jaqueta de couro. Estava tão lindo quanto no primeiro dia em que o vi, ou mais ainda, porque agora eu o conhecia.

Ele sentou conosco, e o céu se abriu, como acontece no verão, para deixar uma tempestade passar. Ficamos olhando por um tempo, Kristen abriu uma garrafa de espumante dos pais, e brindamos a nós. Dei um gole, mas dei o resto para Tristan.

Então eu disse:

— Ei, Tristan?

— Sim, docinho?

— Acho que no ano que vem, na faculdade, você devia montar uma banda.

Ele esboçou um sorriso.

— Você tem razão. Eu devia.

— Você devia chamá-la de Estranhos Normais.

Ele riu.

— Adorei.

Ficamos em silêncio. Então ele disse:

— Bom, não precisamos esperar até a faculdade, certo? — Então virou para Hannah e emendou: — Vamos tocar uma música juntos ou o quê?

Um brilho surgiu nos olhos dela. Provavelmente era a primeira vez que cantava na frente de mais pessoas, além de Natalie e eu. Ela engoliu em seco e assentiu. Fomos atrás de Tristan, que pegou o violão, sentamos na sala e puxamos um banco para Hannah.

— O que vamos cantar? — ele perguntou.

Hannah secou a palma das mãos no vestido e pensou por um minuto.

Então respondeu:

— “Sweet Child O’ Mine”—, que tinha sido nossa música de Ano-Novo.

Tristan sorriu e imediatamente começou aqueles primeiros acordes que ecoam pelo corpo. A voz de Hannah tremeu por um instante, surgindo devagar, mas foi cantando cada vez mais alto, até que a música vertesse dela. Ela olhava para Natalie enquanto cantava. Tristan olhava para Kristen enquanto dedilhava o violão e cantava junto com Hannah. E eu olhei para Sky.

Peguei a mão dele e sussurrei:

— Quero muito beijar você.

Ele segurou meu rosto com as duas mãos, e foi um beijo diferente de todos os outros. Eu não me senti mais como uma luz para a qual ele estava atraído, como a luz de um poste nem como a lua. Parecia que nós dois tínhamos o sol dentro de nós. Nossa própria maneira de nos manter aquecidos. E quando nossos corpos se juntaram foi a coisa mais intensa que já senti.

Quando Tristan e Hannah estavam chegando ao fim da música, todos nós estávamos pulando e gritando junto “Where do we go now?”. Hannah vibrava, e Tristan tocou o fim de novo. Não consigo descrever a sensação de estar ali naquele momento, tão próximos, misturando onde estávamos e onde queríamos estar.

Às vezes, quando falamos, ouvimos o silêncio. Ou apenas ecos. Como gritos vindos de dentro. E isso é muito solitário, só acontece quando não estamos ouvindo de verdade. Significa que ainda não estávamos prontos para ouvir. Porque toda vez que falamos, há uma voz. Existe o mundo que responde.

Quando escrevi as primeiras cartas para vocês, encontrei minha voz. E quando minha voz surgiu, algo respondeu. Não em uma carta. Como uma canção. Como uma história contada na tela do cinema. Uma flor que surge na rachadura da calçada. O voo de uma mariposa. A lua quase cheia.

Sei que escrevi cartas para pessoas sem endereço neste mundo. Sei que vocês estão mortos. Mas posso ouvir vocês. Ouço todos vocês. Nós estivemos aqui. Nossa vida teve valor.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora