CAPÍTULO 34

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Querido E. E. Cummings,

A noite de Natal é um dos momentos mais nostálgicos. Como se o mundo inteiro fosse feito de memória. Depois que meu pai foi deitar com as luzes da árvore ainda acesas, Sky apareceu, e pulei a janela. Abrimos os presentes que demos um para o outro no escuro, na entrada da casa.

O papel com que ele embrulhou o meu era tão frágil que tomei cuidado para não rasgar. Então vi um coração entalhado em um pedaço de madeira.

Meu nome estava na parte de trás. Era perfeito. Ele lixou a madeira para deixá-la lisa, mas os veios não sumiram. Eu disse que era meu presente favorito da vida toda. Sky pareceu orgulhoso.

Dei a ele um livro de poesia seu. Fiz um marcador com um papel bonito de gansos e coloquei na página do poema “nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além”. Nós lemos esse poema na aula de inglês, e eu amei. Quando Sky desembrulhou o livro, li o poema em voz alta para ele.

A parte que diz “ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas” faz todo sentido para mim. Significa que ele pode ir a qualquer lugar, porque, como a chuva, como a água, chega a lugares em que nada sólido chegaria. Explica como Sky me atinge, como chega a pontos que eu nem sabia que existiam. Como ele toca uma parte de mim que ninguém nunca tocou. Nós dois temos lugares secretos em nós.

— Obrigado — Sky disse. Ele pareceu ter gostado.

— Comprei o livro porque o poema me lembra você. E também porque você disse que talvez queira ser escritor, um tempo atrás, depois do baile. Sei que escreveria algo muito diferente disso, mas me faz pensar que, às vezes, quando a gente guarda muita coisa aqui dentro, precisa encontrar uma maneira de se expressar.

Sky sorriu e disse:

— Espero que nós dois encontremos as palavras para fazer isso.

Eu tinha tirado as luvas e passava a mão no coração que ele fez para mim.

Olhei para Sky e então disse algo em que penso o tempo todo, mas que sempre engulo.

— Eu te amo.

Dava para ver minha respiração se demorando no ar. Ou talvez o ar estivesse segurando minha respiração, para se esquentar.

Sky olhou para mim, em silêncio. Ele pegou minha mão, e começamos a andar. Todas as luzes de Natal brilhavam com cada vez mais sutileza, um caminho de pequenas lâmpadas enfraquecendo diante de nós. Estávamos na metade do quarteirão quando ele disse:

— Você não me amaria se me conhecesse.

Eu parei.

— Conheço você.

— Se soubesse tudo o que eu fiz.

— O que você quer dizer?

Sky ficou em silêncio.

— Conta. Vamos ver se ainda vou te amar.

E então ele disse:

— Bom, para começo de conversa, eu bati em alguém. Por isso fui expulso da outra escola.

— Tudo bem.

— Eu machuquei o cara de verdade. Foi feio.

— Por quê?

Ele parou por um instante.

— Não sei… Tinha uma garota, uma garota que eu conhecia. Achei que ele tinha se aproveitado dela. E, quando bati nele, foi como se toda a minha raiva viesse à tona.

Assenti. É estranho, mas, de certa forma, pensar em Sky se envolvendo em uma briga assim fez com que ele parecesse frágil.

— Te amo mais ainda — sussurrei e fiquei atenta, para ver se ele queria dizer mais alguma coisa.

Continuamos andando pela noite silenciosa. Andando, andando. E não consegui conter o sentimento que de repente irrompia em mim.

Então disse:

— Eu também fiz coisas ruins.

— Como o quê? Se esqueceu de entregar a lição de casa? — ele brincou.

— Não — respondi. E acho que devo ter soado brava. Porque ele parou. — Ela morreu — eu disse.

— Eu sei, Laurel — ele disse, com cuidado. — O que aconteceu?

Meu peito ficou apertado e pesado ao mesmo tempo, e eu não sabia se queria continuar andando ou não. Então parei. Fiquei apoiada no braço dele para me manter de pé.

— Não sei.

— Sabe, sim. Você pode me contar.

Mas eu não podia. Estávamos voltando do cinema. E paramos nos trilhos acima do rio, perto da estrada velha. Havia flores crescendo nas rachaduras. E, ao pensar nisso, não consegui respirar. O rio estava fazendo um barulho alto demais.

Sky segurou meus ombros.

— Laurel, Laurel.

Tentei inspirar, fiz esforço para levar o ar até os pulmões. Sky me disse para prestar atenção na respiração. Então expirei, vi o ar pairando por um tempo e não pensei em nada.

— Laurel. Fica aqui comigo.

O rosto dele estava tranquilo, e todas as casas comemorando o Natal desbotavam atrás dele. Com suas mãos tão pequenas, ele havia aberto uma porta em mim, e eu chorei sem parar. Ele me abraçou até eu rir um pouco.

Como se a coisa toda fosse uma piada. Eu queria esquecer aquilo tudo.

Continuamos andando. Pelo caminho de luzes, as lâmpadas entravam em foco conforme eu chegava perto. E finalmente ele disse:

— Eu também te amo.

Beijos,

Laurel

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