CAPÍTULO 11

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Querido Kurt,

Na noite passada, fiquei bêbada pela primeira vez. Quando cheguei na casa de Natalie, fomos até a mercearia, onde o ar-condicionado estava superforte. Fomos andando e tremendo até o corredor das bebidas, e Natalie pegou uma garrafa de licor de canela da prateleira e escondeu no moletom. Então fomos até o banheiro e tiramos a etiqueta, para não disparar o alarme. Ignorei o coração acelerado e tentei agir com normalidade, como se já tivesse feito esse tipo de coisa. Não falei nada sobre os pés da mulher com tênis de mãe e da menininha na cabine ao lado.

Simplesmente fomos embora.

Voltamos para a casa da Natalie e estávamos sozinhas, porque a mãe dela tinha um encontro. Natalie disse que ela só ia voltar de manhã. Subimos no telhado com a garrafa. O licor tinha cristais com gosto forte de canela no fundo; quando demos o primeiro gole, senti queimar como se alguém tivesse acendido um fogo doce na minha boca. Engoli rápido, sem fazer careta, e não contei que era a primeira vez que bebia. Pensei que, se May bebia, eu também podia beber. O que podia dar errado? Então deixei o licor descer pela garganta, queimando, até chegar ao estômago. Tive vontade de rir e senti meu corpo leve, até que esqueci o medo. Ficamos deitadas para ver os aviões passando e fizemos uma música sobre eles.

Não lembro a letra, mas qualquer hora ela volta à minha mente. Me lembro da voz da Hannah soando como os cristais de canela, doce e cheia de fogo.

Acho que ela pode virar uma cantora de verdade.

Não tenho certeza do que aconteceu depois, mas descemos do telhado, e Natalie e Hannah foram para o quintal dos fundos pular numa cama elástica. Fiquei no jardim da frente, me balançando na rede, as estrelas vindo na minha direção.

Lembro quando May fugia à noite, e eu esperava acordada na cama até ela voltar. Normalmente, eu a ouvia atravessar o corredor na ponta dos pés e fechar a porta do quarto, então sabia que podia dormir, porque ela estava segura. Mas de vez em quando, e eu adorava quando isso acontecia, ela vinha até meu quarto e sussurrava:

- Está acordada?

Eu abria os olhos e sussurrava que sim, e ela deitava comigo. O hálito dela estava sempre doce e quente, como álcool, acho. May abria um sorriso e ria e arrastava as palavras um pouco, como se cada som se embolasse com outro. Enquanto me contava as aventuras - os garotos, os beijos e os carros rápidos -, eu visualizava tudo, como fazia quando éramos crianças, na época em que ainda achava que May tinha asas de fada e a imaginava voando pela noite, lançando-se sob as estrelas.

Quando olhei para cima, deitada na rede, as estrelas começaram a se mexer demais, e não me senti bem. Fiquei imaginando se era assim para May naquelas noites, se as estrelas ficavam girando até deixá-la tonta e meio perdida.

De repente, fiquei com medo e não consegui organizar os pensamentos.

Eu estava preocupada que coisas ruins surgissem na minha mente, então fui procurar Hannah e Natalie. Quando atravessei o portão de madeira para ir ao quintal, vi as duas na cama elástica. Estavam se beijando. Se beijando mesmo. Enquanto pulavam. Elas olharam para a frente por um instante e viram que eu estava olhando, então meio que caíram. Natalie gritou. Ela tinha batido o dente no dente de Hannah e começou a procurar o pedaço quebrado. Tentei ajudar, mas não estava em lugar nenhum, nem na lona da cama elástica nem na grama. Natalie ficou com medo de ter engolido. E Hannah ficou preocupada que eu fosse contar para todo mundo na escola o que ela estava fazendo quando lascou o dente, mesmo que eu tivesse jurado silêncio. Hannah disse que eu precisava beijar Natalie também, senão eu acabaria contando, que eu não podia ser a única sem beijar. Mas eu não queria. Elas não ouviram. Natalie me agarrou e disse que ia me beijar para garantir o segredo. De repente, senti dificuldade em respirar. Fiquei ofegante. E saí correndo.

Fui parar no parque perto da escola. Sentei no balanço e comecei a me balançar o mais alto que consegui, cada vez mais alto, até sentir a noite entrar em mim, até parecer que eu ir dar a volta completa na barra. E então saltei, voei e aterrissei na areia. Subi em uma casinha como aquela que nos servia de navio quando May e eu íamos ao parque com minha mãe.

Tínhamos de navegar por um mar cheio de monstros para salvar sereias.

Comecei a chorar.

O ar cheirava a fumaça e folhas de outono. Um cheiro que faz você sentir que o mundo está muito próximo, encostando em você. Minha cabeça começou a doer de verdade. Era tarde e eu não sabia o que fazer, então voltei para a casa de Natalie. Ela e Hannah estavam dormindo na cama elástica. Dormi embaixo, no chão.

No dia seguinte, quando acordamos com orvalho na roupa, a mãe de Natalie, que preparava panquecas e bacon, nos chamou para o café da manhã. O cheiro estava uma delícia. Ela disse que éramos bobas de ter dormido lá fora. Tenho a impressão de que estava sendo gentil por causa do encontro. A mãe de Natalie não parece com as outras mães. Natalie disse que ela é secretária em um escritório de advocacia, mas, naquela manhã de sábado, estava com uma camisa amarrada acima do umbigo, short jeans rasgado e o cabelo escuro em um rabo de cavalo alto. Estávamos as três bem quietas, apenas respondendo às perguntas dela, que eram todas bem-humoradas. Quando perguntou a Natalie o que tinha acontecido com o dente dela, Natalie pareceu nervosa por um momento. Era minha chance de provar que ia guardar o segredo, então respondi:

- Fomos comer no McDonald's, e no sanduíche dela tinha um pedaço de osso!

Hannah começou a rir e disse:

- Foi nojento!

Acho que, como a mãe dela se sentia culpada por ter dormido fora, não notou que também estávamos nos sentindo culpadas. Hannah tirou uma folha do meu cabelo e me entregou. Os veios desenhavam um pequeno relevo na superfície amarela.

Não falamos do beijo e, na segunda-feira, na escola, agimos como se nada tivesse acontecido. Levei dinheiro suficiente para comprar uma bolacha no almoço e dividi com minhas amigas. Olhei para Sky e ri quando Hannah disse que ele estava tirando minha roupa mentalmente. E tudo bem.

Tentei não olhar muito para o dente de Natalie, mas notei o pequeno pedaço faltando.

Kurt, parece que você conhecia May, Hannah e Natalie, e a mim também.

Como se enxergasse dentro de nós. Você cantava sobre o medo, a raiva e todos os sentimentos que as pessoas escondem. Até eu. Mas sei que você não queria ser nosso herói. Não queria ser um ídolo. Só queria ser você mesmo. Só queria que escutássemos sua música.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora