CAPÍTULO 49

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Querida Amy Winehouse,

A tia Amy perguntou se eu queria ir ao shopping comprar roupas de verão, incluindo um vestido para a Páscoa, que é amanhã. Ela disse que estava pensando em ter um dia de tia e sobrinha, como um dia de mãe e filha, acho. Eu não estava a fim, mas não queria deixá-la chateada, então concordei.

Fomos à JCPenney, e eu estava olhando as blusas quando ela voltou com uma pilha de vestidos para eu experimentar, todos cheios de renda e compridos demais. Não sei nem como ela encontrou tantos vestidos de igreja em uma loja de departamentos, mas deve ter sido fora da seção jovem.

Quando saí do provador para mostrar o primeiro, ela olhou para mim pelo espelho.

— Você está tão linda — ela disse, um pouco como se isso a assustasse.

Dei de ombros.

— Tome cuidado, Laurel — ela disse e, do nada, começou a chorar.

Eu a abracei, tentando confortá-la. Eu estava tremendo com aquele vestido. O ar-condicionado estava forte e me deixou toda arrepiada.

Finalmente, a tia Amy limpou os olhos na blusa florida e sorriu para mim.

Eu queria sair dali. Não queria mais experimentar roupa. Então falei que queria o que estava usando, de manga comprida e cheio de botões.

Ela pagou, e fomos almoçar. O cheiro da praça de alimentação do shopping é como uma versão fechada de um festival. Pedi o que sempre peço — uma salsicha no palito empanada e uma soda. Sentamos perto das árvores falsas sob a luz branca da claraboia, onde minha mãe, May e eu costumávamos sentar. A tia Amy ficou me olhando pegar pedaços de massa da salsicha empanada.

Ela disse, tentando parecer casual:

— Então, você está interessada em algum garoto? Tem um namorado?

Como se praticamente não tivesse me proibido de conversar com qualquer ser da espécie masculina. Eu me perguntei se não era um truque.

Nunca falei nada sobre Sky, porque não queria que ela tivesse um ataque.

Balancei a cabeça dizendo que não.

— Bom, é melhor assim… — E com isso o assunto morreu. Mas ela retomou a conversa: — Sabe, estou muito orgulhosa de você. Sua mãe também.

Engoli com dificuldade. A massa ficou presa no fundo da garganta. Eu não acreditava que minha mãe tivesse dito isso de fato. Mas desconfiei que provavelmente tivesse contado à tia Amy sobre a briga, e ela estivesse tentando apaziguar as coisas. Sei que devia ligar para minha mãe e me desculpar, mas estou evitando isso há duas semanas.

Eu não queria entrar naquela história toda, então só sorri.

— Obrigada — respondi.

De todo jeito, eu não conseguia imaginar do que a tia Amy estava orgulhosa, a menos que fosse por eu não ter um namorado, o que só é realidade porque levei um pé na bunda.

E então minha tia perguntou:

— Você se lembra daquele amigo com quem fiz uma peregrinação? — Ela não conseguiu conter o sorriso. — Ele vai chegar na cidade semana que vem.

Ela ficou explicando, e o que entendi foi que, depois de todos aqueles meses sem ligar, o homem de Jesus telefonou para a tia Amy na semana passada para dizer que faria uma visita. Acho que eles vão jantar no Furr’s e vou dizer que ela está bonita antes que saia e vou fingir dormir quando voltar para que ela possa fazer o que Deus mandar com ele.

Sinceramente, isso me deixa triste. Porque ela enviou biscoitos para ele, cartões, chili, mensagens, muitas mensagens, nas quais fazia a voz do Mister Ed e dos jamaicanos de trenó. Ela foi ela mesma. Sempre cheia de esperanças, como se dissesse “Estou aqui”.

Mas, no último ano, ela não obteve resposta e acabou parando de passar os vestidos floridos como se imaginasse que alguém estava prestes a vê-la usando um deles. Colocou o sabonete em formato de rosa de volta na caixa, na prateleira, onde ele nunca seria usado. E desistiu.

E agora o sabonete de rosa vai sair da caixa de novo, as pétalas gastas por todas aquelas manhãs no chuveiro esperando alguma coisa. Não é mais novo, mas ela vai usar tudo o que tiver. Vai aceitar até uma noite de chá gelado sem refil e torta de cereja falsa, e talvez a mão dele pegue a dela sobre a mesa. Se ele quiser mais, ela vai dar. Se o homem de Jesus disser “Deus quer que façamos isso”, ela vai acreditar.

Depois do almoço, paramos em um dos quiosques que vendem camisetas.

A tia Amy escolheu uma que diz DEUS FEZ ALGUNS HOMENS ESPECIALMENTE BONITOS. Ela achou hilário, riu tanto que até chorou.

Não entendi a piada. Mas ela disse que não podia resistir e tinha que comprar a camiseta para ele. Enquanto ela dobrava a camiseta com cuidado e colocava na sacola, vi como está apegada a ele de novo. Só não quero que ele vá embora de manhã e nunca mais ligue.

Depois do quiosque, levei a tia Amy para uma das lojas mais legais, Wet Seal, onde eu secretamente esperava encontrar algo para mim. Algo que compensasse aquele vestido que aceitei para deixá-la feliz, algo com a minha cara — a cara de quem quer que eu seja agora. Fazia muito tempo que eu não comprava roupas. Estava usando as coisas da May, mas, desde que Sky e eu terminamos, parei. Voltei a usar minhas roupas antigas, tentando me encaixar.

No começo, todas as peças da loja pareceram arrumadas demais, de uma maneira ruim, como se estivessem fingindo. Mas quando eu fui dar uma olhada no fundo da arara em promoção, começou a tocar “Rehab” no rádio.

Muitas músicas suas, até as mais tristes ou raivosas, soam felizes, como se você estivesse dizendo uma verdade difícil com ajuda de uma melodia dançante. É parte do que eu amo em você: como é desafiadora, sofre, desabafa, e faz isso de maneira inteligente.

E então encontrei uma blusa. É de veludo lavanda. Senti que você estava comigo enquanto eu passava o tecido no rosto e lembrei como adoro a sensação de roupas novas, com cheiro doce, recém-passada. Como açúcar refinado. Experimentei e me senti mais bonita do que com o vestido de May no baile da escola.

Amanhã, na Páscoa, vou usar meu vestido e vamos para a igreja da tia Amy, onde cantam coisas como “O nosso Deus é maravilhoso”. Na segunda, vou para a escola vestindo a blusa nova.

Amy, fazendo o que fazia, você estava em todas as capas de tabloide. E do jeito que o mundo é hoje, com todo mundo acompanhando a vida de todo mundo e tentando ver tudo, isso muda a história. Isso transforma sua vida na versão que outra pessoa fez de você. E não é justo. Porque sua vida não pertencia a nós. O que você nos deu foi sua música. E sou grata por isso.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora