CAPÍTULO 47

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Querido River Phoenix,

Existe um trecho de Conta comigo em que seu personagem diz para Gordie: “É como se Deus tivesse dado uma coisa para você, cara, todas essas histórias que você inventa. E como se Ele tivesse dito ‘É o que tenho para você, garoto. Tente não perder’. As crianças perdem tudo, a menos que haja alguém ali para cuidar delas”. Essa parte do filme me tocou. Ela me faz pensar em ser uma menina e em tudo o que perdemos ao crescer.

Não havia ninguém para cuidar de você? Ou havia, e eles só se distraíram por um momento?

Continuei com essa sensação de que talvez não houvesse ninguém para cuidar de mim quando precisei. Sempre achei que May faria isso. Mas talvez também não existisse ninguém para cuidar dela.

Penso na minha mãe e na pergunta que ela fez. “Ela pulou?” Eu disse que não, mas nunca vou saber a resposta. E penso na pergunta que minha mãe não fez, mas que vi nos olhos dela. “Por que você não a impediu?” A pergunta que não consigo tirar da cabeça. “Por que você não a impediu, mãe?”, eu gostaria de perguntar.

Hoje à noite, ela ligou. Depois que respondi às perguntas de sempre sobre a escola etc., monossilábica como sempre, ela perguntou:

— Está tudo bem aí?

— Acho que sim.

— Tem certeza? Você nunca conversa comigo.

— Não sei o que dizer. Você nem está aqui.

Houve um longo silêncio. E então ela disse:

— Eu queria te contar. Finalmente fui ver o mar.

— Ah, é?

— Eu ainda não tinha ido desde que cheguei aqui. É como se estivesse esperando você e sua irmã. Mas ontem eu só… entrei no carro, dirigi e, antes de me dar conta, estava na água. Foi como se o mar tivesse me atraído. E foi tão lindo, Laurel. Quase senti a presença de May ali.

Eu queria dizer: Porra, que incrível para você. Mas fiquei quieta.

— Talvez você possa me visitar no verão, aí vamos juntas.

Quando ela disse isso, eu só conseguia pensar que então ela não ia voltar.

Em vez de responder, disparei:

— Mãe, por que você foi embora?

Eu queria que ela falasse a verdade. Se tinha ido embora porque estava brava comigo, porque achava que era minha culpa, ou porque eu não respondia às perguntas dela. Eu queria que ela dissesse.

— A morte da sua irmã partiu meu coração, Laurel. Ninguém sabe o que é perder uma filha.

— O papai sabe.

Minha mãe não respondeu.

— Ninguém sabe o que é perder uma irmã também — emendei.

— Eu sei, querida. Eu sei…

— Mas o papai e eu não fugimos. Nós ficamos juntos.

— Eu sei, Laurel. Mas ficar junto nem sempre é a melhor coisa quando você não pode ser bom para o outro. Nem sempre as coisas acontecem como nós gostaríamos.

— Jura? Você não acha que a esta altura eu já sei disso?

Ouvi minha mãe chorar.

— Não, mãe, por favor, não chore. Esquece o que eu disse. Está tudo bem. Preciso ir.

Quando desliguei, meu pai entrou.

— Oi, querida. Você está bem?

Olhei para a frente e tentei enxugar as lágrimas.

— Eu odeio a mamãe.

— Não, Laurel, você não está falando sério. Sei que está com raiva. E tudo bem. Mas você não odeia sua mãe.

— É, acho que não.

Olhei para os ombros dele, curvados, e para o rosto que lutava para se manter neutro. Acho estava procurando algo para dizer, mas, como não encontrou nada, se aproximou e me deu uma chave de braço, como costumava fazer quando eu era criança. Sei que ele queria me fazer rir, então me esforcei.

Você cresceu tão rápido, River. Mas talvez o garotinho que precisava de alguém para protegê-lo nunca tenha ido embora. É possível ser nobre, corajoso e lindo e ainda assim desabar.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora