CAPÍTULO 52

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Querido Kurt,

May e eu estamos indo ao cinema. Ela acabou de tirar a carteira de motorista, na Escola de Direção Roadrunner, onde não ligam muito se você vai bem no exame ou não. O professor só te coloca na rua para ir a algum lugar comprar fogos de artifício para ele. Foi o que May me contou, mas ela não disse isso para minha mãe ou meu pai. E então meu pai decidiu que ela podia me levar ao cinema de carro. É a semana dele conosco. Primeiro, ela e meu pai começam a brigar, porque May está usando uma camisa decotada. Meu pai deve ter achado que ela está atraente demais, porque pediu para ela se trocar. Ele disse que as pessoas formam uma imagem errada quando May se veste assim. E ele não costuma dizer essas coisas.

Em geral, deixa ela usar o que quer. May chora, e eu também, porque essa é nossa noite juntas e não quero que meu pai estrague tudo. Finalmente, ele diz, com calma:

— Só troque de roupa, May. E você pode ir.

May e eu costumávamos fazer tudo juntas, antes de ela começar o ensino médio. Agora tenho treze anos, sou uma adolescente de verdade. E vamos ser amigas de novo. Na minha cabeça, imploro para May fazer o que meu pai está pedindo, para podermos ir ao cinema no carro dela.

Finalmente, ela diz:

— Tudo bem.

Vai para o quarto e veste um moletom enorme. Um moletom de Natal com uma grande rena estampada. Fica engraçado com os saltos médios que ela está usando. May limpa as lágrimas e diz:

— Podemos ir agora?

— Vão em frente — meu pai responde.

Vamos ver Aladdin no cinema. Muitas vezes, eles exibem filmes da Disney, que May e eu ainda adoramos. Estamos no velho Camry com as miçangas rosa de May penduradas no retrovisor. Assim que passamos um quarteirão, May tira o moletom. Ela ajeita o rímel escorrido pelo choro e sorri para mim. Estou usando uma camiseta que amo, que tenho desde o quinto ano, com holograma de uma floresta tropical e animais que aparecem e desaparecem. Espero que esteja na moda usar esse tipo de coisa de novo, como Rainbow Brite e os Smurfs. Eu me pergunto se devia ter vestido outra coisa. Lavei o cabelo e posso sentir o cheiro do xampu de maçã verde. Acho que a noite não foi arruinada.

Estamos no fim de novembro, mas ligamos o aquecedor e baixamos as janelas mesmo assim, e May liga o som. Ela está cantando “Heart-Shaped Box” e então olha para mim e diz:

— Gostou?

Faço que sim com a cabeça.

Ela beija minha testa. E diz:

— Vou encontrar Paul no cinema, tudo bem? Você não pode contar para o papai nem para a mamãe.

Faço um meneio com a cabeça. Estou um pouco triste que não seremos só nós duas, mas a coisa mais importante é que ela me deixou participar.

Quando paramos no farol antes do cinema, ela coloca o cabelo atrás da orelha, desarruma tudo, e coloca atrás da orelha de novo. E em seguida passa batom.

May vira para mim. A boca dela parece de adulta, como as bocas que ela recorta das revistas para fazer colagens. Mas seu rosto é delicado. Ela pergunta:

— Estou bem?

Digo que ela está linda. Eu nunca vi ninguém assim antes. Nem ela.

Quando chegamos, só há umas duas pessoas na filha da bilheteria, e lá estão Paul e outro homem parado num canto. Paul está com a mesma camisa xadrez da única outra vez que o vi, no festival de outono. Ele parecia um pouco mais limpo que o outro sujeito, que estava com um jeans furado e uma camiseta com a frase NA MINHA ÉPOCA EXISTIAM NOVE PLANETAS. Quando vê Paul, May acena de leve. Ela se aproxima devagar, o cabelo balançando nas costas. Eu vou atrás. Quando ela chega perto, eles não se tocam, mas, pelo olhar dela, vão se tocar.

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