CAPÍTULO 57

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Querida Amelia,

Às vezes parece estranho que o sol nasça, como se nada tivesse acontecido. Hoje, quando acordei, os pássaros estavam cantando distraidamente e os carros estavam passando pelo quarteirão. Quase não dormi na noite passada, depois de voltar da ponte, e meus olhos só se abriram um pouco. Quando tentei sair da cama, por algum motivo pensei em você. Pensei em você na pequena ilha onde pode ter pousado e vivido como náufraga.

Imagino como deve ter sido esperar o resgate. Fazendo fogueiras, mandando sinais de fumaça que desapareceram nas nuvens. Quanto tempo você pode ter vivido lá, e o navegador. Qual dos dois morreu primeiro e teve de viver o luto?

Encontraram artefatos na ilha Gardner, que fica perto de Howland — o local onde você deveria ter pousado naquela manhã, no meio do Pacífico, entre a Austrália e o Havaí. Encontraram pedaços de acrílico, o mesmo material das janelas do avião, o salto de um sapato que podia ser seu, ossos de pássaro e de tartaruga, vestígios de fogo, fragmentos de garrafas de coca-cola que alguém talvez usasse para ferver água. E então, mais recentemente, encontraram pedaços de um pote, no formato e do tamanho de um creme usado para clarear sardas na época em que você estava viva.

Todo mundo sabia que você tinha sardas e desejava não ter. Quando me vesti, fiquei pensando nesse pequeno pote deixado como prova. Parece tão vulnerável, comparado ao seu rosto corajoso enfrentando o mundo.

Hoje de manhã, na escola, todo mundo sabia que Natalie e Hannah tinham se beijado na festa. Vi Hannah andando pelo corredor, e um dos jogadores de futebol gritou:

— Ei, quer fazer um ménage?

Os amigos dele disseram:

— Quatro peitos são melhores que dois.

Mandei eles calarem a boca e tentei falar com Hannah, mas ela virou e mudou de direção.

Na aula de inglês, Natalie ficou com o capuz do moletom o tempo todo e, quando o sinal tocou, saiu correndo antes que eu falasse com ela.

No almoço, nossa mesa ficou vazia. Parei ali um minuto, tentando decidir aonde ir. Acabei sentando perto da cerca, como costumava fazer. Me lembrei de ver as folhas caindo das árvores no começo do ano e observei novos ramos surgindo.

E então Sky apareceu e me entregou um pacote de bolacha recheada.

— Pega. Achei que você fosse gostar — ele disse.

— Obrigada — respondi com um sorriso. Peguei, e ele sentou ao meu lado. Dei metade para ele, e ficamos ali, comendo, sem falar nada.

Depois da aula, liguei para a tia Amy e disse que tinha grupo de estudo e que pegaria carona depois. Fiquei sozinha na biblioteca, o máximo que consegui, pensando em Natalie e Hannah, pensando em May e pensando em você e na sua ilha. Pensei em como eu tinha me esforçado para ser forte este ano. Mas talvez eu estivesse agindo errado o tempo todo. Porque existe uma diferença entre o tipo de risco que faz alguém se destruir e o tipo de risco que você corria. O tipo que faz você aparecer para o mundo.

Finalmente, quando começou a escurecer, voltei andando para a casa da tia Amy. Respirei fundo e girei a maçaneta. Ela estava sentada no sofá, me esperando. Tinha um sanduíche de pão de hambúrguer cortado ao meio em cima da TV.

— Está com fome?

Eu queria dizer não e me esconder no quarto, mas o sanduíche parado ali me deixou triste e, ao mesmo tempo, me fez amar minha tia. Então deixei a mochila num canto e sentei.

— Obrigada.

Esperei que ela nos fizesse rezar, mas a tia Amy disse:

— Laurel, você estava tão chateada ontem. Estou preocupada com você.

— Estou melhor hoje — eu disse, com cuidado.

Não era mentira.

— Sei que você sente falta de May e sei que a admirava. Mas estou vendo você se tornar você mesma, Laurel. E estou orgulhosa. O Senhor Jesus Cristo também. — Ela apertou minha mão e olhou para mim. E então disse: — May também, onde quer que esteja no céu.

Apesar de não saber exatamente do que a tia Amy estava orgulhosa e de não achar que Jesus estaria, era uma coisa muito bonita de dizer sobre May.

Eu imagino como foram, Amelia, os momentos finais da sua vida. Você olhou para as nuvens sobre as quais voou? Você se perguntou se ia voltar para lá, para viver no seu amado céu para sempre?

Beijos,

Laurel

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