CAPÍTULO 4

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Querida Elizabeth Bishop,

Quero contar duas coisas que aconteceram na aula de inglês hoje. Lemos um poema seu, e a classe ouviu minha voz pela primeira vez. Faz duas semanas que estou no ensino médio, e até agora passo a maior parte da aula olhando pela janela, vendo os pássaros voando entre fios telefônicos e as árvores. Eu estava pensando em um garoto, Sky, e me perguntando o que ele vê quando fecha os olhos, quando ouvi meu nome. Olhei para a frente.

Foi como se um passarinho batesse as asas no meu peito.

A Sra. Buster estava olhando para mim.

- Laurel, você pode ler?

Eu não sabia nem em que página estávamos. Me deu um branco. Então Natalie se inclinou e colocou meu texto na página certa. Começava assim:

A arte de perder não é nenhum mistério;

tantas coisas contêm em si o acidente

de perdê-las, que perder não é nada sério.

No começo, fiquei nervosa. Mas, conforme eu ia lendo, fui prestando atenção e entendendo.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,

a chave perdida, a hora gasta bestamente.

A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:

lugares, nomes, a escala subsequente

da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero

lembrar a perda de três casas excelentes.

A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império

que era meu, dois rios, e mais um continente.

Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

- Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo

que eu amo) não muda nada. Pois é evidente

que a arte de perder não chega a ser mistério

por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Minha voz deve ter saído trêmula, porque o poema era um terremoto em mim. Quando terminei, a sala estava em completo silêncio.

A Sra. Buster fez o que sempre faz. Encarou a turma com seu grandes olhos esbugalhados e disse:

- O que vocês acharam?

Natalie lançou um olhar na minha direção. Acho que ela se sentiu mal porque todo mundo estava olhando para mim, e não para a professora.

Então levantou a mão e disse:

- Bem, é claro que ela está mentindo. Não é fácil perder as coisas.

Em seguida, todo mundo parou de olhar para mim e virou para Natalie.

A Sra. Buster perguntou:

- Por que algumas coisas são mais difíceis de perder que outras?

Natalie respondeu com um tom de "não acredito que você perguntou isso":

- Por causa do amor, claro. Quanto mais se ama alguma coisa, mais difícil é perder.

Levantei a mão sem nem me dar conta.

- Sabe, acho que, quando você perde alguma coisa próxima, é como perder a si mesmo. É por isso que, no final, até escrever é difícil para ela. Ela quase não sabe como fazer. Porque quase não sabe mais quem ela é.

Todos os olhos se voltaram para mim, mas, na mesma hora, ainda bem, tocou o sinal.

Peguei minhas coisas o mais rápido possível. Olhei para Natalie, e pareceu que ela estava me esperando. Achei que ela finalmente ia me convidar para almoçar, e eu não ia mais precisar ficar sozinha.

Mas a Sra. Buster falou:

- Laurel, posso conversar com você um minuto?

Fiquei meio com raiva da professora, porque Natalie foi embora.

Esperei, inquieta, diante da mesa, e ela perguntou:

- Como você está?

A palma das minhas mãos ainda estava suada por ter falado na frente de todo mundo.

- Hum... bem.

- Vi que você não entregou a primeira tarefa, a carta.

Olhei para baixo, a luz refletida no chão, e murmurei:

- Ah, é. Desculpa. Ainda não terminei.

- Certo. Vou te dar mais tempo desta vez. Mas quero que você me entregue na semana que vem.

Eu fiz que sim. E então ela disse:

- Laurel, se você precisar conversar com alguém...

Olhei para ela com uma expressão vazia.

- Eu dava aula no Sandia - a Sra. Buster explicou, com cuidado. - May foi minha aluna de inglês no primeiro ano.

Não conseguia respirar direito. Comecei a ficar tonta. Achei que ninguém na escola saberia ou, pelo menos, que ninguém fosse falar sobre isso. Mas a Sra. Buster olhava para mim como se eu tivesse a resposta de um mistério terrível. Eu não tinha.

Finalmente, ela disse:

- May era uma garota especial.

Engoli em seco.

- Sim - respondi. E saí.

O corredor barulhento me transtornava. Queria fechar os olhos e fazer com que todas as vozes se dissipassem.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora