CAPÍTULO 25

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Querido John Keats,

Hoje recebemos nosso boletim do primeiro bimestre. Eu só tirei A, com exceção de duas matérias. Tirei C- em educação física, não porque não consiga correr rápido, mas porque Hannah e eu fingimos esquecer o uniforme vezes demais. E tirei B em inglês, mesmo que tenha tirado A em todos os trabalhos. O motivo foi não participar muito da aula, porque odeio a maneira como a Sra. Buster olha para mim. Além disso, não entreguei um trabalho — a carta para uma pessoa morta. Um trabalho pequeno, que eu poderia ter feito de qualquer jeito. Mas não consegui. Quer dizer, minhas cartas são de verdade. Não para a Sra. Buster. Mas, se existe uma maneira de deixar meu pai feliz e de fazer minha tia Amy ter certeza de que não sou uma pecadora, é tirar só A. Fiz de tudo para que minhas notas fossem boas, para que ninguém precisasse se preocupar ou fazer perguntas. Espero que isso seja bom o bastante.

Hoje a Sra. Buster me chamou na mesa dela depois da aula e perguntou por que eu não tinha escrito a carta, mesmo com todo o tempo que ela me deu. A Sra. Buster disse que eu tenho o potencial de uma aluna exemplar.

Falei que fiz o trabalho, mas não consegui entregar. Ela disse que o objetivo do trabalho era justamente entregá-lo. Tentei explicar que eu achava que as cartas eram pessoais demais.

Ela me olhou de um jeito engraçado. Então disse:

— Laurel, você é uma garota muito talentosa. — Mas falou como se não fosse uma coisa boa.

Dei de ombros.

E então ela continuou:

— Percebi que não participa muito da aula.

De fato, eu não falava nada desde o quinto dia de aula, quando comentei alguma coisa sobre Elizabeth Bishop. Ficava trocando bilhetes com Natalie ou olhando pela janela. Só presto atenção quando estamos lendo poemas.

Dei de ombros de novo.

— Laurel, só quero incentivar você… — Ela fez uma pausa. Como se não tivesse certeza do que queria me incentivar a fazer. E então concluiu: — May também era especial, como você.

Quase sorri. Ela disse que eu era como May.

Mas os grandes olhos esbugalhados começaram a me analisar, como se o que vissem fosse uma tragédia.

— Não quero que você desperdice seu talento. — Outra pausa. — Não quero que siga o mesmo caminho.

Fiquei tão brava que meu corpo se contraiu. Eu não sabia que “caminho” ela achava que May tinha seguido nem se estava tentando dizer que era por isso que minha irmã tinha morrido. A Sra. Buster não tinha como julgar.

Ninguém tinha. Ela não estava lá. Ninguém estava, ninguém além de mim.

Fiquei tão brava que, se minha garganta não estivesse fechada, talvez eu tivesse gritado com ela. Se ela se sentia tão mal, por que simplesmente não me deu nota máxima?Adultos às vezes são tão falsos, pensei. Sempre agem como se tentassem ajudar e como se quisessem cuidar de você, mas na verdade só querem alguma coisa em troca. Eu me perguntei o que a Sra. Buster realmente queria. No fim, meneei a cabeça e me forcei a murmurar algo sobre estar bem, mas que aquele trabalho especificamente seria muito difícil para mim.

A questão é: não odeio totalmente a Sra. Buster, porque ela leva poemas e indica outros. Ontem lemos “Ode a uma urna grega”. É um poema seu, sobre uma urna antiga com imagens. Parece chato, mas não é. Gosto desta parte, em que você está falando de dois amantes, presos no momento logo antes de se beijarem:

Jovem cantor, não há como parar a dança,

a flor não murcha, a árvore não se desnuda;

amante afoito, se o teu beijo não alcança

a amada meta, não sou eu quem te lamente:

se não chegas ao fim, ela também não muda,

é sempre jovem e a amarás eternamente.

O garoto e a garota sob as árvores ficarão congelados exatamente como estão ali — os lábios nunca se tocarão, mas eles nunca se perderão. Estão cheios de possibilidades, imunes a qualquer tristeza.

É mais ou menos assim quando você olha para qualquer imagem, como a foto emoldurada em meu quarto, minha com May, novinhas, no jardim durante o verão. Estamos no balanço. Estou dando impulso, ainda perto do chão, olhando para ela. May está no alto, bem naquele momento antes de saltar. Mas nunca vai cair. O sol acabou de se pôr, então o ar ainda está quente. Vamos ficar onde o céu tem um azul elétrico e profundo, que nunca vira noite — um lugar além do tempo que não pode ser tocado. Quando sento à mesa e vejo o céu de novembro, com neve caindo, não ligo. Tenho sete anos e estou no lusco-fusco do verão.

Meu trecho preferido do seu poema é o fim, quando a urna fala conosco.

Ela diz: “A beleza é a verdade, a verdade a beleza/ É tudo o que há para saber, e nada mais”. Tento entender exatamente o que você quis dizer, mas esse verso é circular. Se beleza é verdade e verdade é beleza, elas são definidas uma pela outra, então como vamos saber o significado de cada uma? Acho que fazemos nossos próprios significados, nos inserindo neles.

Eu coloco a lua acima da luz do poste na ideia de beleza, coloco a sensação do coração de Sky batendo como asas de mariposa, coloco a voz de Hannah cantando, coloco o som dos meus passos correndo atrás de May ao longo do rio, correndo atrás do céu. E então começo a girar de volta para a ideia de verdade, como quando May dizia que sua primeira lembrança era me segurar depois que nasci, e que tinha ficado orgulhosa por mamãe confiar nela o bastante para que me pegasse no colo. A maneira como a voz de Sky soou quando disse que queria ser escritor e que nunca tinha contado aquilo a ninguém. Natalie abraçando Hannah na noite em que dormimos no celeiro. E quando May sussurrou no meu ouvido:

— O universo é maior do que qualquer coisa que cabe na sua cabeça.

E então fico dando voltas. E ainda não sei como dar sentido ao mundo. E tudo bem ele ser maior do que o que podemos abarcar. Porque, quando você fala em beleza, não está falando de algo bonito, está falando de algo que nos torna humanos. A urna, você diz, é “amiga”. Ela vai viver para além de sua geração e das seguintes. E seu poema também é assim. Você morreu quase duzentos anos atrás, quando tinha só vinte e cinco. Mas as palavras que deixou ainda estão vivas.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora