CAPÍTULO 64

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Querida Elizabeth Bishop,

Na escola, todos estão animados com o verão, que começa em uma semana e meia. Hoje, depois da aula, fui até a mesa da Sra. Buster. Eu nunca tinha ido procurá-la, era sempre ela que me chamava para conversar.

Mas tinha uma coisa que eu queria dizer.

— Sabe o trabalho do começo do ano? A carta? — perguntei.

— Sim? — Ela pareceu surpresa.

— Bom, ainda estou fazendo. — E então acrescentei — Na verdade, estou trabalhando nisso desde aquela época. Tenho um caderno inteiro de cartas. Só queria que você soubesse.

— Ah, fico muito feliz em ouvir isso, Laurel. — Ela se iluminou quando contei, mas continuou olhando para mim daquele jeito, como se esperasse algo mais. Como se quisesse ouvir alguma coisa sobre May.

Depois, finalmente perguntei:

— Quando May foi sua aluna, como ela era?

— Ela parecia uma garota lutando para descobrir quem era, como você. E era brilhante. Tinha muito potencial. Acho que você também tem. — A Sra. Buster fez uma pausa e então disse: — Sei como é perder alguém, Laurel.

— Sabe? — perguntei.

— Sim. Meu filho morreu.

— Nossa. Sinto muito. — Procurei algo melhor para dizer. Meu peito ficou apertado de pensar que aquilo tinha acontecido com a Sra. Buster. — Quando… quando foi?

— Ele era pequeno — disse a Sra. Buster. — Foi num acidente de carro.

Fiquei olhando os grandes olhos azuis dela, que não pareciam mais esbugalhados. Pareciam tristes. Foi como se, de repente, ela tivesse passado de professora a pessoa. Às vezes penso que sou a única que já perdeu alguém. Mas não sou.

— Sinto muito — repeti. — E sinto muito não ter sido mais legal este ano. Acho que você é uma ótima professora. Amei as poesias que você trouxe. E sinto… sinto muito, de verdade. Gostaria de dizer algo bom. Acho que não há palavras para isso, não é?

— Existem muitas experiências humanas que desafiam os limites da linguagem — ela disse. — É um dos motivos da poesia. — Ela sorriu. — Aqui. — Então pegou algo na mesa. — Eu queria lhe dar isso. Como você parece gostar tanto de Bishop, fiz uma cópia para você no começo do ano. Mas, bom, talvez você ainda não estivesse pronta.

Peguei o poema.

— Obrigada.

Então ela disse:

— Estou orgulhosa de você. Não é fácil, e você fez um ótimo trabalho este ano. — Ela não precisava ser tão gentil comigo, mas foi.

Agradeci de novo pelo poema. Estava ansiosa para ler, então encontrei um banco do lado de fora da sala e sentei antes de ir almoçar. Era o poema “O tatu”. Amei tanto que meu coração quase parou. E sei por que a Sra. Buster escolheu esse. Era sobre um tipo de beleza frágil a que aspiramos.

Começa tratando de balões que as pessoas soltam “… e se enchem de uma luz avermelhada/ que pulsa, como um coração” quando sobem ao céu.

Quando o ar está parado, vão “rumo às varetas cruzadas/ de pipa estelar do Cruzeiro”, mas, com o vento, se tornam perigosos. O fim do poema revela a tragédia que acontece.

Ontem caiu um grande aqui perto

na encosta de pedra nua.

Quebrou como um ovo de fogo.

As chamas desceram. Vimos duas

corujas fugindo do ninho,

os dorsos das asas ariscas

tingidas de um rosa vivo,

guinchando até sumirem de vista.

O velho ninho se incendiara.

Sozinho, em polvorosa,

um tatu reluzente fugiu,

cabisbaixo, salpicado de rosa,

depois um ser de orelhas curtas,

por estranho que pareça, um coelho.

Tão macio! — pura cinza intangível

com olhos fixos, depois pontos vermelhos.

Ah, mimetismo frágil, onírico!

Fogo caindo, um escarcéu

e um punho cerrado, ignorante

e débil, voltado contra o céu!

Eu não conseguia parar de pensar nisso, nossos corações vermelhos tentando chegar até as estrelas — e que, com o vento errado, podemos cair.

Não tenho certeza se foi isso que você quis dizer com o poema, mas me fez pensar que todos temos partes dentro de nós. Acho que talvez todos tenhamos tanto os balões quanto os animais frágeis que podem ser feridos por eles. É fácil se sentir como o coelho paralisado pelo terror. E é fácil se sentir como os balões, ao sabor do vento, subindo até sumir de vista ou pegando fogo. Sendo levados em uma direção ou outra.

E existe uma terceira coisa no poema: sua voz. A de quem viu. Quem viu e testemunhou, quem transformou a dor e o terror nessa bela lírica. Então, quando conseguimos dizer as coisas, quando conseguimos escrever as palavras, quando conseguimos expressar a sensação, talvez não estejamos tão indefesos.

Depois de ler o poema hoje pensei que talvez eu também queira ser escritora. Mesmo achando que nunca vá escrever um poema tão bom quanto o seu, talvez eu possa fazer algo com meus sentimentos, mesmo os de tristeza, medo ou raiva. Talvez ao contar as histórias, por pior que sejam, não deixemos de pertencer a elas. Elas se tornam nossas. E talvez amadurecer signifique que você não precisa ser uma personagem seguindo um roteiro. É saber que você pode ser a autora.

Beijos,

Laurel

Love Letters To The Dead Onde histórias criam vida. Descubra agora