Madrugada cálida

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POV NANDA 

Estava furiosa. Soltando fumaça pela boca e caminhando com pisadas firmes pela rua, como se quisesse transpassar o asfalto e cravar os pés na terra abaixo. Antes a noite tinha me parecido especialmente bonita. O céu estava cheio de estrelas e o ar era cálido de maneira confortável. As pessoas caminhavam distraídas, como se por milagre não tivessem que chegar a nenhum lugar em especial, como se só tivessem que caminhar enquanto conversavam e sorriam. Mas agora nem mesmo essa noite parecia capaz de afastar o humor negro que havia me dominado depois do jantar com meu pai e com a biscate com quem ele estava saindo.

— Estamos participando de alguma maratona que eu desconheço?

O fulminei com o olhar, mas não diminui o passo. Levi bufou diante da minha expressão e revirou os olhos. Tomei aquilo como um desafio do qual eu não precisava naquele momento. Eu sabia que nada daquilo tinha sido culpa dele. Sabia que não deveria descontar o que tinha acontecido nele, mas eu sabia também que era inútil lutar. Era simplesmente inútil tentar controlar o desgosto que crescia de forma daninha dentro de mim.

— Esquece isso Nanda...Ele já é adulto, mais cedo ou mais tarde se dará conta...

—Esquecer? — Minha voz saiu ríspida. Ai vamos nós... — Ah claro! Sua vida é tão perfeita o tempo todo né? Às vezes imagino que deve ser difícil entender famílias disfuncionais como a minha.

Não me encarou. Permaneceu com o olhar fixo nas pessoas que caminhavam a nosso redor na calçada enquanto negava lentamente com a cabeça, parecendo cansado.

— Eu só estou dizendo que fazer uma tempestade por algo que você já sabia não vai melhorar as coisas.

— Melhor não diga nada Levi. Você não tem nem idéia de como é. Deu! Ë tão difícil conversar com você as vezes! — Gesticulei teatralmente com os braços enquanto dobrávamos uma esquina. — Quer dizer, tudo na sua casa é tão perfeito! E você é totalmente o queridinho da nossa tão prestigiada faculdade! E até mesmo a lambisgoia quis passar a mão em você porque você é tão disciplinado! Um prodígio!

Desviamos de um casal de terceira idade que parecia estar em um encontro romântico e meu estomago embrulhou.

Escutei seu sorriso sarcástico do meu lado e o fitei transbordando de raiva.

— Você também não vai resolver as coisas atacando os outros Nanda.

— Perfeito! — Sorri sem humor. — Porque isso tudo é uma tremenda droga e eu não estou afim de resolver merda nenhuma agora mesmo! Eu só quero que parem de me dizer como viver a minha vida!

Suspirou pesadamente e me encarou, diminuindo o passo e obrigando-me a diminuir também.

— Ok. Vamos — Afastou alguns fios do meu cabelo do rosto. — Não quero brigar ok? — Seus dedos roçaram minha bochecha e senti o coração fraquejar um pouco. Contudo, agora que tinha experimentado expressar toda aquela frustração que consegui a duras penas reprimir no jantar, já não podia parar.

— Você também acha que eu sou um caos não é mesmo?

Levi mordeu os lábios diante da acusação na minha voz e afastou a mão do meu rosto.

— Sério Nanda? Você pretende mesmo ficar assim pro resto da noite?

— Achei que fossemos namorados E amigos droga! Não podemos conversar sobre tudo?!

— Talvez. Mas essa não é uma conversa. É um julgamento!

— Ahh coitado do Levi! — Balancei as mãos no ar e parei de andar, a voz um pouco alta demais, chamando a atenção de algumas pessoas que passavam pela gente. Meu Deus! Que droga tinha dado em mim?! Será que eu queria me comportar de forma tão imatura quanto a megera tinha dito? — Pelo menos você se diverte com a montanha russa sem sentido que é a minha vida!

— E você acha mesmo que estou me divertindo? — Quis saber com um sorriso incrédulo nos lábios. Por que sabe, é tão divertido ver você se comportar como louca!

— Então desculpa, você já não precisa mais lidar com a minha loucura! — Passei por ele, esbarrando em seu ombro de propósito e abrindo caminho furiosa entre as pessoas.


Senti sua presença logo atrás de mim, me escoltando a distancia, enquanto caminhávamos para casa. O restaurante que papai havia escolhido ficava a só a algumas quadras, ainda que agora aquele caminho me parecesse longo demais.

A cada passo que eu dava, mais fatal me sentia por dentro. Queria parar e reconhecer que estava agindo de maneira absurda. Queria dizer que aquilo não tinha nada a ver com ele senão que toda aquela situação tinha me tirado dos trilhos. Mamãe não estava bem depois da separação e eu mal podia assimilar o fato do meu pai ter deixado a gente por aquela lambisgoia falsa.

Mas eu não parei. Ao invés disso entrei no elevador sozinha e apertei o botão do meu andar, deixando Levi e levando tudo o que me engasgava comigo.


Bati a porta do quarto. Meu irmão dormia placidamente em sua pequena cama e embora a luz do quarto da mamãe estivesse apagada, eu sabia que ela ainda estava acordada. Sabia que deveria estar roendo as unhas, nervosa enquanto me imaginava em um jantar com a nova namorada do papai.

Sentei na cama e observei o céu através dos vidros da minha janela. Sentia-me péssima. Eu tinha sido uma bruxa com Levi e agora, que meu sangue esfriava e minha maldita consciência me recordava cada palavra dita, sentia-me mais e mais pequena.

Observei a telinha do celular e dei voltas e mais voltas em meus pensamentos. Vasculhando desesperadamente algo para dizer.

Não encontrei nada mais que desculpas.

Deixei o corpo cair sobre a cama e suspirei pesadamente, expulsando todo aquele peso que me comprimia o peito enquanto fechava os olhos.

Não vi as horas passarem. Não me movi, não abri os olhos. Não fiz nada em absoluto até que fosse impossível respirar. Então me levantei justo quando relógio marcava três da manha e desci pelas escadas até o andar dele. Mandei uma mensagem atrás da outra sentindo-me terrivelmente ansiosa a cada andar.

Quando parei finalmente a sua porta, ela se abriu e seus olhos encontraram os meus.

Joguei-me em seus braços. O envolvi com força apoiando a cabeça em seu pescoço enquanto lutava por manter meu copo na ponta dos pés.

— Desculpa. — Sussurrei um tanto insegura. — Eu sou terrível e você deveria me internar, mas espero realmente que não faça isso.

Observou-me sério, mas seus lábios estremeceram um pouquinho enquanto ele analisava minha expressão aturdida.

— Você me chamou de queridinho — Sua voz não continha a acusação que ele desejava. Um brilho passou por seus olhos escuros e isso fez meu coração esquentar um pouquinho. — Quer dizer, quando foi que perdi meu posto de bolinho?! — Agora ele parecia se conter para não delatar sua falsa indignação. Deixei o ar sair dos meus pulmões lentamente enquanto um sorriso desenhava-se em seus lábios.

— Te amo. — Rocei meu nariz no dele, escorregando suavemente os lábios sobre os seus. — Não desista de mim.

— Não desista de mim também. — Respondeu enquanto me trazia mais para perto de si, atraindo-me pela cintura. — Nunca se sabe quando será a minha vez de gritar pela rua gesticulando insanamente.

Levantei a mão para dar um tapa nele, mas ele a segurou, entrelaçando os dedos nos meus e me beijou.

Esqueci por que estava com raiva e mais uma vez só sobrou a madrugada cálida la fora.


Sempre foi vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora