Decisão

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POV: NANDA 

Observei seus rostos tensos enquanto sacudia a perna embaixo da mesa sentindo-me agitada e com uma vontade irremediável de sair correndo dali. Mas ao invés disso, mantive a expressão neutra e deixei que eles seguissem, intercalando-se entre meias frases e titubeando em cada uma das palavras que diziam.

— Nanda eu e seu pai te chamamos aqui porque você já é uma adulta e devemos te tratar como tal. Com o Lipe as coisas serão diferentes, mais a conta gotas até que ele se acostume e entenda.

Assenti sem silêncio. Ter dezenove anos e poder responder pelos meus atos não me parecia mal. Mas naquele preciso momento eu sentia inveja do meu irmão que estava na casa da vovó comendo purê de batata com milanesa enquanto eu estava ali naquele restaurante super formal agüentando a música clássica baixinha que parecia desafiar meus nervos e presenciando o fim do casamento dos nossos pais.

— A coisa querida... — Papai colocou as mãos sobre a mesa e cruzou os dedos. Seu tom de voz era profissional, como sempre. Como se ele estivesse lidando com um cliente e não com a sua filha. Eu gostava disso na maioria das vezes. Sentia-me importante. Mas agora só queria que ele me pegasse no colo como costumava fazer quando eu caía da bicicleta e me prometesse que tudo ficaria bem se eu fechasse os olhos e não pensasse na dor. — A coisa Nanda é que eu e sua mãe resolvemos pedir o divórcio.

O rosto da mamãe contraiu-se e seu maxilar ficou tenso. Era evidente que ela tinha demorado para assimilar aquele "Eu e sua mãe".

— Sabemos que fizemos as coisas da pior maneira durante os últimos tempos. — Mamãe apressou-se em dizer, lançando um olhar de fúria contido ao meu pai. — Mas finalmente resolvemos agir como os adultos responsáveis que somos e explicar as coisas para você. Querida, fomos muito felizes juntos, mas agora devemos tomar rumos diferentes. Ainda seremos uma família, seu pai ainda será seu pai e sempre estará presente, mas como casal não somos mais felizes entende?

Fiz que sim mecanicamente. Precisava tragar o choro. Eles não precisavam que eu agisse assim bem ali no meio de toda aquela gente.

— Nanda, eu estou me mudando esse fim de semana. Vamos fazer as coisas com calma, mas vou deixar o endereço do meu novo apartamento e quando você se sentir confortável quero que venha quando quiser. Esse novo lar também será seu e do seu irmão.

Vi quando mamãe tentou ocultar uma lágrima disfarçadamente, limpando com o guardanapo impecavelmente branco que tinha sobre a mesa.

Apertei as mãos em punho ao redor do tecido do vestido e finalmente recuperei a voz.

— Vocês não precisam se preocupar. Quero que sejam felizes, sempre estarei com vocês.

Com um pedido de desculpas mamãe levantou-se da mesa e dirigiu-se ao banheiro em passos apressados, ocultando o rosto molhado por lágrimas.

Papai e eu fingimos não perceber e sorrimos um pro outro.

Ainda éramos uma família.

Sempre seríamos.

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Débora abriu a porta e seus olhos arregalaram-se ao me ver. Eu deveria mesmo dar medo. O rímel havia escorrido e meu coque havia se desfeito. Eu tinha certeza que meu rosto estava vermelho e molhado e meus olhos deveriam estar terrivelmente inchados.

— Nanda querida! — Deixou-me entrar obviamente sem jeito enquanto seguia com passos apressados em direção ao corredor. — O que aconteceu? — Perguntou com certo desespero enquanto me observava soluçar no meio da sala do seu apartamento. — Levi! — Gritou para o corredor vazio. — Levi!!!!!!!

Escutei a porta do seu quarto se abrir e dei um passo na direção do corredor.

Levi parecia completamente fora de lugar quando me viu ali parada como um completo desastre. Os óculos de grau que ele usava para ler pendiam de uma forma engraçada, inclinados mais para a direita como se ele estivesse tão concentrado na leitura que tivesse se esquecido de ajustar. Seu short de dormir e sua camisa branca sem estampa e sem surpresas pareciam tanto com ele que imaginei quantas roupas desse estilo ele teria no seu armário. Era tão despreocupado que me senti feliz por fazer parte disso.

Estendeu a mão na minha direção e vi como sua mãe suspirava aliviada quando finalmente parei de chorar e segurei a mão dele.

— Vou preparar um chá de camomila pra você. — Disse afastando-se e deixando-me sozinha com o filho.

— Acho que ela está feliz em poder se afastar de mim. — Sussurrei observando-a enquanto ela desaparecia rapidamente seguindo direção a cozinha. — Eu devo parecer uma psicopata.

Fitou-me em silêncio por alguns segundos. Esperou que eu quisesse falar. Não fez nenhuma pergunta, não julgou saber o que estava acontecendo, não soltou a minha mão.

— Eles finalmente decidiram. — Contei e as malditas lágrimas voltaram. — Eu já sabia, quer dizer, não é nenhuma novidade e sei que muita gente passa por isso. Não é o fim do mundo, mas é duro!

Senti o choro brotar lá de dentro. De uma parte tão profunda de mim que não tive controle. Senti-me impotente e não pude pará-lo.

— Tá tudo bem. — Puxou-me para si e me abraçou apertando, aninhando-me entre seus braços, onde eu estaria segura. — Vai ficar tudo bem.

— Eu sei, mas a mamãe está sofrendo tanto! Ela parece tão forte, mas eu sei que está em pedaços e eu não suporto vê-la assim!

— Então você deve ser forte por ela. — Fitei-o sabendo que o que ele dizia era certo, mas eu não me sentia tão capaz. Eu estava em frangalhos.

— Toma querida. — Débora havia voltado e segurando uma xícara de chá, observou Levi preocupada.

— Obrigada. — Consegui dizer, forçando um sorriso que esperei que ela entendesse que não era o meu melhor.

— Não se preocupe por isso. — Respondeu amavelmente. — Vou me deitar. — Disse ao filho afastando-se lentamente. — Seu pai já deve ter dormido com a TV ligada. — Sorriu. — Fiquem a vontade. — Fitou-me indecisa por alguns segundos. — E Nanda, não sei o que aconteceu, mas tenha certeza que vai passar. Tudo vai melhorar.

Assenti fungando enquanto abria um sorriso e ela desaparecia pelo corredor em direção ao quarto.

— Posso só ficar aqui com você hoje por um tempo?

Encarou-me abrindo um sorriso enquanto afastava os fios do meu cabelo do rosto.

— Você pode ficar pra sempre, mas acho que sua mãe e seu irmão sentiriam sua falta.

Sorri e o som do meu sorriso me surpreendeu. Que tipo de poder Levi tinha sobre tudo o que parecia estar terrivelmente errado? Como ele conseguia mudar tudo em tão pouco tempo?

— Acho que você terá que continuar sofrendo com a minha ausência para o bem deles. — Respondi acariciando sua mão enquanto seus dedos apertavam um pouquinho os meus.

Senti seus dedos escorregarem pelo meu rosto, seus olhos fitaram meus lábios e ele se aproximou lentamente. Seu beijo, uma carícia suave, afastou aquele aperto que eu vinha carregando no peito desde a conversa com meus pais aquela noite.

Segui-o até seu quarto, onde eu já havia entrado inúmeras vezes, onde eu conhecia cada canto, cada foto, cada estante. E embora tudo estivesse exatamente no mesmo lugar, nós havíamos mudado.

Deitei-me a seu lado na cama e pousei a cabeça no seu ombro. Deixei que Levi acariciasse o meu cabelo até que o pranto cessasse, até que já não doesse tanto e eu pudesse respirar de novo.

Sempre foi vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora