Superficial e fútil

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POV: NANDA 

Papai fitou nossos dedos entrelaçados sobre a mesa e sorriu. Ele não parecia o cara centrado, certinho e cheio de regras que tinha sido durante toda a sua vida. Sua camisa de botão florida, ainda que em tons de azul escuro, desabotoada até o peito, seu olhar desfocado e seu sorrio estranho e torto, afetado pela quantidade de cerveja que já havia tomado, não combinava com ele. Nada daquilo combinava.

Senti o corpo tenso quando ela me olhou com simpatia.

Era bem típico. Não poderia ser mais clichê. Quantos anos ela deveria ter? Seguramente uns quinze a menos que ele. Não me julguem, eu não sou costumo formar opiniões tão precipitadas, mas na cara daquela mulher estava escrito "vadia destruidora de lares".

— E então Nanda? — A voz do meu pai me distraiu da análise criteriosa e nada amigável que eu estava fazendo da cor do cabelo dela, em silencio é claro. — Como tem sido na faculdade?

Ah! Agora ele se importava? Não fazia exatamente seis meses que ele havia praticamente desaparecido?

Aclarei a garganta e respirei fundo. Era uma pergunta simples. As coisas estavam indo bem. Quer dizer, desde que milagrosamente as pedras haviam começado a desaparecer do meu caminho... Desde que eu havia resolvido as coisas com Levi.

Durante os seis últimos meses, muitas coisas haviam acontecido. As provas, nas quais eu havia me saído bem (muito para variar), o novo campeonato para o qual Levi estava treinando, a expulsão de Isa da faculdade por ter sido pega fumando um baseado nos domínios da tão prestigiada instituição, e Amanda e Brian... Isso mesmo. Dá pra acreditar?

E bom, o fato de meu pai ter assumido essa relação superficial com essa mulher superficial.

— Estou indo bem. — Respondi tomando um gole da minha soda enquanto Levi apertava um pouquinho a minha mão, como quem diz que talvez eu devesse incluir algo mais na minha frase evasiva. — Quer dizer, eu tenho melhorado muito. — Completei sentindo que não era realmente necessário. Sentia-me incomoda ali e queria ir embora o quanto antes.

— Fico muito feliz em saber. — Papai forçou um sorriso jovial que me fez revirar os olhos. — Essa é uma ótima universidade e você sabe que muita gente gostaria de ter a oportunidade que você está tendo. — Apoiou a mão sobre a dela e a fitou com carinho. — A Jana estudou pedagogia em uma das melhores também...

— Sim! — Ela interrompeu quase saltando da cadeira, feliz por poder concentrar a atenção em si mesma. — Foi difícil, mas eu consegui me formar com louvor! — Mirou a Levi, que observava a cena como se não fizesse parte daquilo. — A propósito, eu te vi na TV! Você foi fantástico! — Seus olhos brilharam na direção dele e eu quase vomitei o delicioso salmão que meu pai havia pedido para compensar o tempo perdido.

— Obrigado eu...

— Não seja tímido! — Apoiou os dedos sobre o ante braço dele e abriu um sorriso mais amplo. — Você deve ser muito disciplinado. É o que falta na vida de muitos jovens hoje em dia. — Fitou-me sugestivamente. — Disciplina.

Senti meu sangue ferver enquanto as palavras escorregadias e de duplo sentido escorriam dos lábios dela. Quem ela pensava que era? Que olhar era aquele? O que meu pai andava contando a ela?

— A Jana sabe lidar muito bem com jovens Nanda. — Papai comentou enquanto tomava mais um gole de cerveja. — Talvez vocês devessem conversar mais... Vai fazer bem pra você. Você sabe, a sua mãe anda meio...

E aquele foi meu limite.

Levantei-me da cadeira fazendo com que seus pés rangessem no chão do restaurante e joguei o tecido sedoso do guardanapo caro em cima da mesa. Os olhos do meu pai se arregalaram assustados enquanto Levi balançava levemente a cabeça, entendendo meu humor.

— Não. Fale. Da. Minha. Mãe. — Grunhi sentindo um sabor amargo na boca. — Ela ficou sabe? Quando você foi embora em busca de "novas aventuras", ela ficou.

E saí sem olhar pra trás arrastando meu namorado disciplinado daquele lugar enquanto eu deixava toda aquela futilidade pra trás.


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