Capítulo 13

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No dia seguinte, Gustavo procura Carlos em sua sala e pede para Dalva anunciá-lo. Não sabe se Carlos aceitará falar com ele. Mas Carlos, por curiosidade, aceita recebê-lo.

O garoto entra na sala com receio, de cabeça baixa e um envelope amarelado em suas mãos.

— Senhor Carlos? Desculpe lhe incomodar, fala Gustavo com a voz um tom mais baixo que o normal, não parecendo o moleque atrevido do dia anterior.

— O que você quer, moleque? - Pergunta Carlos visivelmente incomodado. — Já concordei em fazer aquele exame, não?

Gustavo o olha contrariado, com a testa e lábios franzidos, o que faz Carlos se lembrar de Valentina. "Ela sempre fazia assim quando era contrariada."

— Quando eu recebi a carta de mamãe, havia outra carta, que era para entregar ao senhor quando tivéssemos contato. Durante muitos anos eu fiquei com ela imaginando o que ela teria escrito.

Gustavo aproxima-se da mesa de Carlos devagar e deposita a carta na sua frente e Carlos a pega. Não havia sinal de que aquele envelope fora aberto.

— E por que você está me entregando isso agora?

Gustavo dá de ombros antes de responder.

— Se ela se deu ao trabalho de escrever, deve ser importante que você leia, não?

— Você já leu?

— Eu li a minha carta, senhor.

— Não, esta! Você a leu?

— Não, senhor. Apesar da curiosidade, eu não a li. Nem abri o envelope, como você mesmo pode ver. Aprendi no orfanato que devemos cuidar do que nos diz respeito. E deixar os outros em paz.

— É grande a carta, não?

— Sim, pelo jeito, mamãe gostava de escrever, responde Gustavo com um pequeno sorriso. — E dentro de meu envelope tinha algumas fotos.

— Sim, ela gostava. E de ler, também! A sua é assim grossa? - Espanta-se Carlos.

— É bem maior. Acho que ela colocou na carta tudo o que ela queria me ensinar. São várias páginas de conselhos. - Gustavo relembra sorrindo e voltando do devaneio, conclui. — Já tomei muito de seu tempo e também tenho muito que fazer. Com a sua licença.

Antes de Gustavo sair pela porta, Carlos o chama.

— Obrigado pela carta, Gustavo. - Carlos agradece com um tom mais ameno.

— De nada, senhor.

Carlos está curioso para saber o conteúdo da carta. O que será que Valentina queria dizer para ele depois de tanto tempo?

Analisa o envelope com cuidado. Ainda se lembra daquela letra perfeitamente desenhada. Abre o envelope devagar e vê várias folhas e fotos do tempo de namoro deles que ele nem imaginava que ainda existia. Há ainda fotos de Valentina grávida e de Gustavo pequeno.

"Não sei por que ela quis me entregar isso..."

***-***-***-***

Meu querido Carlos,

Sim, mesmo depois de todos estes anos eu continuo amando você.

Mesmo depois do que me disseste quando descobriu a gravidez. Ou depois de sua partida, não houve um só momento em que eu deixei de pensar em você. E de como tudo poderia ter sido diferente...

Depois que você nos deixou, tive que abandonar meus sonhos. Você se lembra deles? Cursar a faculdade de letras, trabalhar como professora e tornar-me uma escritora famosa... Era tudo o que queria, além de ser sua esposa e mãe de seus filhos. Bom, consegui realizar um deles: ser a mãe de teu filho. Pena que você não quis conhecê-lo.

Mas a vida não é fácil e me tornei uma empregada doméstica para conseguir cuidar de nosso menino. Não quero desmerecer essa profissão, conheci muitas mulheres dignas que valem mais que muita gente por aí, inclusive mais que nossos "amigos", que me abandonaram assim que souberam que eu não era mais sua namorada.

A mulher que me contratou no início não sabia que eu estava grávida. Não pude esconder por muito tempo. Felizmente ela não se importou com esse fato e pude cuidar de nosso menino.

Ele é um menino doce e muito parecido com você, principalmente os olhos.

Não me arrependo do rumo de minha vida. Tenho meu pequeno que é a luz que ilumina meus dias. Parece piegas, não? Nem de perto pareço àquela garota que tinha respostas na ponta da língua, sempre querendo ir contra o sistema. Parece que a maternidade nos faz mudar, mesmo. Eu me transformei e faço de tudo para protegê-lo.

Ele está crescendo saudável, está com sete aninhos e a cada dia mais se parece com você. Cada dia meu coração se parte mais um pouco em saber que ele ficará sozinho.

Carlos, sei que você não quis que eu tivesse nosso menino, e mesmo assim eu mantive a gravidez até o fim. Não estava nos meus planos te pedir qualquer coisa. Mas estou muito doente e sei que não viverei por muito tempo.

Ele é um garotinho muito amoroso e sei que vocês se darão bem.

Talvez ele estranhe no início, mas agora ele deve estar acostumado a conviver com outras crianças e adultos, pois está, a alguns meses, morando no orfanato Meninos de Deus.

Entregarei esta carta à Madre Ana para lhe entregar quando, e se você for ao orfanato visitar Gustavo. Também pedi a ela para te ligar quando, finalmente, meu coração parar de bater. Preciso estar segura que nosso menino estará bem, mas não tenho coragem de ligar para você e ouvir, outra vez, você dizer que não tem nada com isso, que foi opção minha.

Por favor, Carlos: ajude nosso menino a crescer saudável e feliz!

De sua, para sempre,

Valentina Casagrande

***-***-***-***

Carlos termina de ler a carta com lágrimas nos olhos. Valentina ligara para ele alguns meses depois que Gustavo nascera, mas ele fora frio e distante, dizendo que não contasse com ele para nada. Não esperava receber uma carta tão amorosa dela, muito menos com um pedido de ajuda. Havia se passado tanto tempo que tentou se convencer que nem lembrava mais de seu rosto...

Mentira! Ele se lembra de cada detalhe daquele último encontro que tiveram, quando ela lhe disse, em definitivo, que não doaria a criança, muito menos abortar.

Quando Valentina foi embora, seu mundo desabou. Mas não teve coragem de ir atrás dela. Muito menos contar ao seu pai que teria um filho com sua namorada.

A falta de coragem dele custou-lhe muitas noites de insônia. Ainda mais quando soube que Valentina havia morrido.

Carlos pedira ajuda à sua irmã Natália para conseguir um bom lar para Gustavo. Mas infelizmente não tivera êxito.


Piegas: apelo excessivo à comoção. Por vezes, se utiliza de forma depreciativa para designar alguém que dá muita importância a coisas insignificantes. (Fonte: www.significados.com.br)

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