PNF - Capítulo 01

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[Miguel Sobral - São Paulo, 1998]


—Miguel! Miguel!

Escutei mamãe gritando mesmo um pouco distante e me fazendo acordar por completo. Hora de levantar! Cocei os olhos, espantando o sono e melhorando a visão embaçada. Levantei rápido e logo dei um jeito pra que mamãe soubesse que eu já estava acordado, tudo que eu menos queria era ela tendo que me chamar de novo, ou pior, vindo até meu quarto me acordar pessoalmente.

Se existia alguma outra coisa que eu odiasse mais que ter que levantar cedo, eu ainda desconhecia, pior ainda era ter que levantar e ir pro colégio. As pessoas não deveriam fazer isso, eu tenho pra mim que se os trabalhos e as escolas começassem um pouco mais tarde, o rendimento do ser humano seria muito maior.

Mas enfim... por que eu estou perdendo meu tempo pensando sobre isso? É algo que eu nunca iria conseguir mudar mesmo.

Faço tudo que tenho pra fazer antes de sair do quarto e tomar meu café da manhã, pois eu sei que o tempo é curto e eu não posso desperdiçar. Mamãe e papai já estão ali como sempre e me olharam vagamente quando cheguei e me sentei junto a eles.

—Bom dia. – Falei bocejando.

—Bom dia campeão.

—Bom dia meu filho.

Sorri minimamente aos meus pais e comecei a tomar meu café em silencio, não que nós nunca tivéssemos assuntos pra conversar durante a manhã, mas eu preferia ficar quieto enquanto meu cérebro ainda acordava. Dona Lurdes, a senhora que trabalhava lá em casa e também pessoa que praticamente cuidou de mim quando eu era criança, me ofereceu um pedaço de bolo de chocolate que ela sabia que eu gostava, e que só fazia por minha causa, e eu aceitei com um sussurro em agradecimento.

—Senta direito, Miguel.

Mamãe me corrigiu autoritária, me vendo sentar meio torto por causa do sono. Alias, quem é que não fica? Mas ela não gostava que eu apresentasse más maneiras, especialmente se isso poderia significar envergonhá-la na frente das amigas. Embora meu pai não concordasse muito com ela:

—Deixa o menino, Judite. Menino tem que sentar como menino mesmo, você vai acabar criando uma mocinha com essas frescuras.

—Só estou tentando ensinar bons modos ao menino. – Minha mãe insistiu.

—E vai acabar transformando nosso único filho em menininha. Ainda mais com essa nova moda de... – Ele não terminou, mas fez um gesto com a mão que desmunhecava.

Me endireitei pra não causar nenhum conflito e vi minha mãe se calar diante da postura forte e dominadora do meu pai. Judite e Carlos são meus pais desde... sempre, e é só isso que eu tenho a falar mesmo. Qualquer outra definição pra eles seria desnecessária, eles são... pais. É nítido que eles querem o meu melhor, nunca tive duvidas disso, e pra isso eu entendia que às vezes as coisas não podiam simplesmente ser do jeito que eu queria. Então, olhando para as costas do jornal que meu pai mantinha levantada sobre o rosto – e que comentava o grande sucesso de Titanic nos cinemas – eu aceitei que era assim que tinha que ser.

Terminei de tomar meu café, ainda em silencio e o mais imóvel possível pra não gerar qualquer outro tipo de discussão, e esperei pelo meu pai para que o motorista nos levasse cada um pro seu destino, eu pra escola, e papai pra empresa imobiliária da família.

Eu não ousaria dizer que no caminho fomos conversando sobre todos os assuntos possíveis, pois isso era um fato raro de acontecer... apenas nos sentávamos e existíamos desconfortáveis com a própria existência pra arranjarmos algum assunto. Não que fosse de todo ruim, especialmente quando se é de manhã e seus neurônios estão começando a funcionar ainda, mas talvez eu fosse gostar de ter mais proximidade com ele.

Por Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora