EPÍLOGO - CAPÍTULO 50

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POR NOSSOS FILHOS 50 – EPÍLOGO - [MIGUEL SOBRAL AGUILAR]

"Olhos Que Te Vi"

Durante toda minha vida, ou parte dela, eu me via preso entre grandes dilemas. Ainda na adolescência, fazer a minha vontade, sem dar importância para o que me diziam ser errado e me render aos meus sentimentos, tendo a completa ciência daquilo que queria, ainda que mesmo sob a influência de histórias que me foram contadas inúmeras e inúmeras vezes. Na fase adulta, ter que lidar com as consequências das minhas atitudes e enfrentar o quão aterrorizante poderiam ser criar um filho sozinho. E depois, trazido de volta a uma história do passado, ter que confessar a mim mesmo de que nada daquilo que eu vivi a vida toda, era a verdade absoluta e que aquela casca que criei durante todos esses anos não passava de uma fachada para me distanciar daquilo que mais queria e sentia saudades.

Me libertar dessas amarras do passado que ainda insistiam em se fazer presentes naqueles dias, eu considero que foi um dos meus maiores desafios, e, coincidente ou não, decisões como aquelas nunca pareciam estar em sincronia com o mundo externo, com aquilo que eu havia aprendido e levado comigo por muito e muito tempo. Foi difícil e, não, nunca se tratou de duvida ou incerteza e hoje eu podia afirmar com todas as letras. O meu grande dilema sempre fora maior que isso, e como ninguém nasce desconstruído e sabendo lidar com todo tipo de situação – exceto pelo Rodrigo – eu levei tempo até que conseguisse me resolver.

Hoje, totalmente livre e desprendido, depois de dar um grande foda-se as barreiras e àqueles dilemas, eu sempre levava comigo uma das grandes frases que já ouvi que diz que a felicidade é quando o que você pensa, o que você diz e o que você faz está em perfeita harmonia, e, bom, claro, ela estava completamente certa. Eu finalmente havia conseguido atrelar não só aquilo que eu sentia e sempre senti, independente de quantos anos se passassem, e ainda continuaria sentindo, com aquilo que eu comecei a dizer, expressar e demonstrar, todos os dias agradecendo por não ter sido tarde demais e ter um homem tão incrível ao meu lado que teve a paciência de me suportar e me acompanhar nas piores fases. As coisas começaram a fluir e aquele garoto da adolescência, com seus sonhos, medos e dilemas, poderia relaxar tranquilo porque o homem no seu lugar estava feliz, completo e realizado. Bem consigo mesmo.

Tão bem consigo mesmo e com a vida, que todo dia era um novo motivo pra se redescobrir e se sentir feliz com as pequenas coisas que aconteciam diariamente. E, chegar em casa após o fim de mais um dia atarefado, era uma dessas coisas. O ato havia se tornado quase como um ritual sagrado pra mim nos dias em que tinha sessões agendadas e eu me via muito ansioso desde o momento em que tinha que sair de casa, até o momento em que finalmente estava voltando. Era diferente e era bom, especialmente para alguém que sempre foi caseiro e família como eu. E dessa vez não estava sendo diferente, logo após finalizar mais um catálogo como um dos fotógrafos principais, eu estava voltando pra casa assim.

Ao abrir a porta, me deparei com o silencio, algo não muito típico daquela casa que costuma sempre estar aos prantos, conversas e gritos, então estranhei.

—Rodi? – Chamei, dando uma olhada no relógio pra confirmar que a esse horário, sim, ele já tinha chegado em casa depois de passar na escola.

Não ouvi nenhuma resposta, mas ouvi barulhos na cozinha, o que já era de se imaginar, então, eu larguei meus equipamentos na mesinha da sala e segui até lá. No caminho, eu quase fui atropelado e me assustei com um vulto pequeno, porém rápido, que passou correndo por mim a todo vapor, também indo em direção a cozinha.

—Oi pai. – Ouvi com alguns segundos de atraso, pois sua figura já não estava mais a vista.

—Ravi, não corre.

Por Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora