[Rodrigo Aguilar - São Paulo, 2018]
Caraio de vida.
Murmurei, sacudindo os dedos e depois os levando até a boca pra aplacar o ardor que a maldita calda quente de morango causou, não sem antes amaldiçoar até a quinta geração daquela cobertura ridícula. Hoje seria um mal dia, eu sentia bem no fundinho do meu ser que seria, até o pelinho do meu dedinho esquerdo do pé sentia que seria um mal dia.
Não que eu fosse vidente ou coisa assim, mas quando o dia começa mal, tudo tende a ficar mais mal ainda pelo resto do dia. Adicionei mais açúcar na calda, tomando cuidado pra não transformar um doce em muito doce e voltei a experimentar, querendo morrer logo em seguida quando o sabor toma conta da minha boca. Falta um pouquinho de acidez... Talvez limão. Mas o limão, ao ser fervido, iria trazer um sabor completamente diferente daquele que eu queria, sem contar que não ia harmonizar em nada com os morangos. Talvez...
—Pai. – Olha o mal dia chegando aí. – Ô pai?
Escuto pela segunda vez o chamado que vem de algum canto da casa e penso se é muito tarde pra me esconder. Me procurando a uma hora dessas não deveria ser coisa boa, mas, mesmo sabendo disso, resolvi ficar e responder:
—Aqui. Na cozinha.
Sempre estou na cozinha, as pessoas nem deveriam se surpreender ou me procurar em outro lugar mais. Em segundos, meu filho aparece ali onde estava e me encara ainda sonolento e com a roupa toda amarrotada, simbolizando que tinha acabado de acordar.
—Senti cheiro de queimado. O que você tá fazendo?
—Abrindo a câmera secreta. – Respondo desligando o fogão e tirando a panela do bocal quente, senão o rumo dela seria o mesmo que a primeira que eu tentei mais cedo. – O que você acha que eu tô fazendo aqui na cozinha, Yuri?
Pergunto retoricamente a ele, que faz uma careta ao passar por mim, me dando um beijo e indo beber água. Seus cabelos arrepiados estão apontados para todos os lados e por mais que eu já tenha ralhado por muitas e muitas vezes, ele não perde esse hábito de entrar assim na minha cozinha, por isso tampo minha panela e decido que depois continuarei.
—Eu quis dizer: o que você tá cozinhando?
—Uma calda de morango pra acompanhar o Pain Perdu. Aquele creme inglês já ficou superestimado, resolvi testar outras coisas.
Aquilo era coisa de francês metido, vou mudar sim e se ficar bom, mudo de novo e vai para o cardápio.
—Mudou pra confeitaria agora, pai?
—Um bom Chef domina todas as áreas gastronômicas com excelência. – Falei. Talvez o metido seja eu.
—Você pelo menos dormiu depois que chegou do restaurante?
Yuri me perguntou preocupado, os olhos escuros se estreitando e me avaliando, parecendo que ele era o pai ali.
Dormir. Por favor! Bufei. Qual o problema dessa geração Nutella?
—Dormir é pros fracos. Mas e você, o que faz acordado essa hora?
—Fuso horário. – Me respondeu simples, largando o copo no balcão e voltando a me avaliar.
—Esqueci que você não vive mais no Brasil. – Debochei. – Pelo menos a cabeça não vive mais aqui.
—Pai... Como saber se a menina tá mesmo a fim de você? Como não confundir só com educação e simpatia?
Se eu soubesse diferenciar isso, não estaria solteiro – recuso-me a dizer encalhado – até hoje. Mas ter meu filho ali me perguntando tão cheio de neuras e preocupações, fez com que eu me esforçasse para buscar alguma resposta:
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Por Nossos Filhos
Romance"-Quer saber... eu esperava que não, mas o tempo te fez um completo idiota. Seus pais finalmente conseguiram te tornar iguais a eles e a aquela briga idiota que nossas famílias tinham. Eu ainda tinha esperança, mas você não é mais o meu Miguel. Entã...