PNF - Capítulo 02

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[Miguel Sobral - São Paulo, 1998]

—Ele tá olhando pra cá... de novo. – Raquel anunciou nada discreta e me fazendo ficar envergonhado.

—Se você sabe que ele tá olhando pra cá, é porque você também está olhando pra lá... Para de olhar pra lá.

Sussurrei em um grito desesperado pra que ela me ouvisse e parasse de fazer aquilo. Por sobre os ombros, eu dei uma leve virada de cabeça, bem mais discreto que minha amiga, e tentei conferir se o que ela estava falando era verdade. E era. Dei de cara com os olhos do Rodrigo nos encarando, enquanto sorria e conversava distraidamente com alguns dos seus vários amigos. Mas que porra...

—Ok, isso é interessante. Ele não está olhando pra cá. Ele está olhando pra você.

—Raquel... por favor...

Choraminguei implorando para que ela parasse, lançando um olhar mortal e deixando bem claro que eu usaria da violência se continuasse com aquilo.

—Tudo bem, parei. – Ela levantou os braços em sinal de rendição. – Se bem que, Miguel, pensa, isso pode significar algo, não pode?

Agora ela já não falava mais alto e nem estava mais olhando descaradamente pra ele, ela me falava isso baixo e pensativa.

—Algo? Algo o que doida?

Me virei pra ela, encarando-a seriamente na espera de uma resposta ou teoria que pelo menos fizesse sentido.

—Você disse que ontem ele veio falar contigo... tantos outros dias e ele só veio no dia em que eu não estava contigo.

—E?

A cara de quem estava resolvendo um mistério muito grande que ela estava fazendo começou a me dar medo e uma certa irritação. Por que não falava logo, ou então, por que não pensou em tudo antes de começar a falar?

—Depois aquele lance de ser seu amigo, muito suspeito. – Ela se lembrou daquilo que eu lhe contei mais cedo. – Por que ele esperou você estar sozinho pra isso? Certamente porque não queria que ninguém atrapalhasse. Mas por que isso então? Timidez talvez, mas não acredito muito. Agora ele está claramente olhando pra cá, mas evidentemente não é pra mim, e eu agradeço por isso. Por que então...?

Eu já estava ficando louco com ela mesmo se perguntando e respondendo suas próprias perguntas. Sem duvida ela era a pessoa mais louca que eu já tinha visto até então no quesito de criar teorias, por isso tratei de pará-la.

—Kell...

—Ele quer alguma coisa contigo... isso! E nem passa perto de só amizade.

—O que? – Me espantei com sua conclusão. Aquilo era ridículo. – Não. Tá maluca. Isso é estranho até pra você e ele que são estranhos... e ridículo. Não mesmo.

—Se lembra que meses atrás sugiram boatos que ele e o menino do terceiro ano estavam...

Ela não terminou, mas eu sabia exatamente o que ela queria dizer. No mês passado, sugiram fofocas, que até agora ninguém se sabe se era verdade, de que o Rodrigo e o Paulo, um garoto do terceiro ano, estavam no banheiro... tipo, juntos.

—Não. – Neguei veementemente com a cabeça na tentativa de tirar aquilo da mente. – De qualquer forma, isso não vai funcionar comigo. Ele que desista.

Disse confiante, dando mais uma olhada pra direção em que ele estava e não mais o encontrando ali, menos mal. Com mais alguns minutos de intervalo, o sinal logo tocou e logo nós estávamos voltando pra nossa sala de aula e pros nossos lugares.

Por Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora