PNF - Capítulo 39

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[Miguel Sobral]

Uma série de descuidos, mentiras e excesso de confiança podem ocasionar em uma série de confusões e dores de cabeça mais tarde. Eu deveria saber disso, nessa altura do campeonato, eu deveria saber disso mais do que ninguém. Mas só que...

Eu havia ficado tão preso àquilo, tão encantado e tão apaixonado que acabei me deixando levar, deixando o tempo passar e me envolvendo cada vez mais naquela teia de confusão, informações retidas e histórias não contadas. Isso nunca foi bom e nunca seria de qualquer maneira, nos meus anos vividos, eu tinha aprendido isso. As consequências sempre estariam lá pra mostrar os danos das nossas escolhas e covardias, e as vezes, da pior maneira possível, como ser pego pelos filhos enquanto planejava ter um noite a sós com o pai de um deles.

Agora era chegada a hora de ter que lidar com isso.

—Então... – Comecei massivamente, tentando demonstrar uma calma que eu não estava sentindo no momento, a prova disso era que eu não consegui formular uma frase sequer. – É... isso...

—Vo-vocês estão juntos... é... tendo um caso?

Estávamos todos reunidos na sala agora, depois do choque em ser flagrado daquele jeito pelo Yuri e a Clara na casa do Rodrigo, nós decidimos que era hora de conversarmos. Não era mais hora de fugir ou inventar qualquer desculpa.

—Da licença. – Rodrigo tomou a frente, levantando as mãos e pedindo permissão pra falar. – Tendo um caso não, juntos sim.

—Como assim 'tendo um caso não'? – Me virei ligeiramente pra ele, cerrando os olhos e franzindo as sobrancelhas. De nós dois, eu jamais pensei que fosse ele o primeiro a tentar negar.

—Nós não temos um caso, Mig, temos uma história.

Ele cochichou, se inclinando um pouco pra mim e parecendo muito empenhado em fazer com que nossos filhos não ouvissem, como se o espaço permitisse que algo fosse dito em segredo. Neguei com a cabeça porque não era hora de se atentar ao significado exato das palavras, pois coisas mais importantes estavam acontecendo.

—Vamos voltar aqui... – Era o Yuri nos interrompendo. – O que vocês querem dizer com 'tem uma história'? Desde quando? Como?

—Desde antes de vocês nascerem.

Soltei logo de uma vez, sem rodeios ou tentativas de amenizar e enrolar, até porque era pra isso que estávamos ali... mentir, agora que fomos pegos, não era mais opção.

—O que? I can't... Oh my God!

—Que gracinha. Ela fala inglês quando tá nervosa. – Rodrigo sussurrou de novo se referindo a minha filha. – Me da uma filha Mig, nunca te pedi nada.

Neguei com a cabeça, incapaz de lidar agora com o Rodrigo usando seu humor pra esconder o quanto estava nervoso e apreensivo tanto quanto eu e permaneci esperado que eles absorvessem aquilo.

—Isso é sério? Pai... vo-você nunca me disse que sequer gostava...

—Yuri, você nunca precisou reunir a família e sentar com todos na sala pra revelar que era hétero, precisou? Porque é que com qualquer outra sexualidade as pessoas sempre esperam que haja uma revelação? Não deveria ser igual e normal? – Ele respondeu ao filho, totalmente calmo e ensaiado, olhando pra ele do outro lado no outro sofá e sorrindo fraco. – Eu me cedi ao direito de não ter que 'assumir' nada, alias, que crime eu cometi pra ter que assumir?

Era um momento tão íntimo deles, tão sincero e tão familiar que se eu não estivesse envolvido também, com certeza os deixaria a sós. Eu podia ver o Rodrigo tão pai naquele momento, seguro de si e tranquilo ao conversar com o filho que sorri ao perceber que ele definitivamente só era sério quando queria, como havia me dito. E isso não deveria mais ser visto como algo ruim por mim.

Por Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora