PNF - Capítulo 05

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[Miguel Sobral - São Paulo, 1998]

—Eu sinto que você tá me esquecendo. – Raquel suspirou com todo seu dom de atriz especializada em fazer drama. Suspirei também e revirei os olhos pra ela, deixando claro que ela estava exagerando mais uma vez. – É sério, Miguel, eu praticamente fui deixada de lado nesse último mês. E por quê? Porque aparentemente o Rodrigo é um amigo melhor pra você.

—Raquel, não exagera, para com isso.

—É Rodrigo pra cá, Rodrigo pra lá. – Continuou como se eu não tivesse falado nada, ignorando minha presença sentada do seu lado e falando sem parar. – Esse final de semana eu te chamei pra gente fazer alguma coisa e você ia onde?

—No shopping com o Rodrigo. – Respondi culpado. – Mas só porque ele me chamou porque precisava...

—Comprar um presente de aniversário pra minha priminha.

Uma terceira voz surgiu entre a gente, se sentando no meio da gente e completando o que eu estava dizendo na maior tranquilidade, como se estivesse ali faz tempo.

—Alá! Vocês já estão até completando frases um do outro. Eu quero morrer se perder meu amigo pra um outro amigo que apareceu depois.

Sorrimos juntos. Ele se inclinou pra deixar um beijo no rosto da minha amiga, depois se virando pra mim e fazendo o mesmo em minha bochecha.

—Olá.

Murmurou contra a minha pele, enquanto eu lutava contra o rubor. Depois da terceira vez recebendo esse cumprimento dele, eu parei de ficar surpreso, mas mesmo assim eu não deixava de ficar envergonhado com isso.

—Oi. Demorou. – Comentei, já que sabia que ele gostava de chegar cedo pra ficar no portão do colégio cumprimentando todo mundo.

—Minha bicicleta amanheceu com o pneu murcho, tive que esperar meu pai pra vir junto com ele.

—Alias. – Raquel nos interrompeu. – Falando nisso, os pais de vocês sabem dessa amizade? – Ela nos perguntou.

—Não e nem vão saber se você ficar quietinha. Não é a toa que eu tomo maior cuidado com a minha prima fofoqueira que estuda aqui...

Rodrigo respondeu, afirmando aquilo que eu meio que já sabia, os pais dele também não sabiam da nossa amizade e assim continuaria.

E era isso que mais me incomodava, ou melhor, me deixava com aquela sensação de culpa terrível. Nesse mês, cada vez que eu tive que mentir pros meus pais, pedindo permissão pra ir na casa da Raquel ou até mesmo de qualquer outro amigo, quando na verdade eu ia até a praça conversar sobre a vida com o Rodrigo, eu me sentia cada vez mais mal por estar fazendo isso. Eu não gostava de mentir e desobedecer meus pais, mas por outro lado, eu passei a gostar tanto da companhia dele que, mesmo com a minha culpa, eu permitia que aquilo continuasse.

E essa era a grande diferença entre mim e Rodrigo, embora conseguimos achar bastante coisa em comum, em alguns pontos éramos exatamente o oposto um do outro. Rodrigo era um espírito livre, de boa com a vida e claramente não via nenhum mal ou sentia nenhuma culpa por sermos amigos mesmo sem a permissão dos nossos pais, por muitas vezes até falando que eu exagerava muito. Ele só dizia que precisávamos tomar cuidado e eu, por alguma razão, ouvia o cabeça de vento.

—Isso é tão Romeu e Julieta que eu fico emocionada.

Raquel suspirou, fazendo uma cara teatral que chegava a ser divertida e me fazendo voltar pra terra. Mas antes que eu pudesse responder, o sinal tocou e nós tivemos que entrar pra sala.

Como aquela matéria seria de história, geralmente o Rodrigo não costumava se sentar com gente como nas aulas de matemática, então eu e minha amiga nos sentamos no nosso lugar na frente e ele foi pro fundo. Não me admira que ele não consiga entender nada.

Por Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora