II - [Revisado]

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Scarlet


Era uma sensação estranha para mim, ficar assim. Já havia, claro, ficado nervosa diversas vezes na minha vida, mas nunca em proporções tão grandes como estava agora. Eu estava inquieta. Tentava contar até dez, até trinta, até cinquenta, mas não me acalmava. Tentava colocar uma música calma e lenta para ouvir, só para trocá-la por outra em vinte segundos. Tentava ler algumas notícias pelo celular, mas logo largava para ficar mexendo desconfortavelmente nos fiozinhos da poltrona do avião ou torcendo o fio do meu fone de ouvido.

A viagem para o México havia sido uma verdadeira tortura. Não estava nervosa de um jeito ruim, não era bem isso. Estava muito contente pela viagem, principalmente porque todos acreditávamos que ali conseguiríamos a solução para juntar a Becca e sua loba novamente. Porém, essa ansiedade estava me deixando louca.

Além disso, eu havia descoberto há apenas alguns dias que eu não era uma das únicas Selvagens restantes no mundo, como fui levada a pensar desde sempre. De certa forma eu tinha parentes. Muito distantes, mas mesmo assim parentes. Pessoas como eu, mas que haviam crescido em um ambiente onde todos ao seu redor estavam lá para explicar a eles e a ajudá-los com seus dons, a aperfeiçoá-los. A guiá-los ao longo de seu crescimento, a explicar a eles o que eram, a se unir como uma verdadeira alcateia lupina.

Sentia um pouco de inveja deles. Eu, mesmo sendo criada na Alcateia do Maine com os outros lobisomens, era tratada com uma estranha, como alguém de fora. Havia crescido dentro de uma alcateia? Sim, mas eu não sou loba e nunca fui tratada como tal. Meu lugar não era exatamente ali, mesmo sendo melhor para mim crescer com lobos do que com humanos. Entretanto, não eram minha alcateia, uma família para mim. E de repente descobrir que o Letum sabia que havia várias pessoas como eu, mesmo que distantes, sem me contar ou me dar a chance de conhecê-los... inflava minha raiva crescente dele desde o incidente com Elizabeth Roman.

Tecnicamente Octavian Landon, como havíamos descoberto que era o nome verdadeiro do Letum, era o primeiro e único Alfa que eu já tive. Uma figura paterna, mesmo que se fizesse muito distante. Eu não crescera com nenhuma figura paterna ou materna, pois apesar de ser acolhida pela alcateia, não havia sido realmente adotada por ninguém, não de acordo com a visão tradicional de adoção. Mas sabia que o mais próximo dessas figuras para mim tinham sido Octavian e Gwyneth. Apesar disso – e eu era grata por tudo que fizeram por mim e pelo que puderam me proporcionar – eu não estava em bons lençóis com meu "pai adotivo".

Eu sempre pressentira, desde pequena, que o Letum me via como alguém inferior, mas, como quase todos na alcateia também pensavam assim, não via nisso uma razão para não gostar do Letum especificamente. À medida que fui crescendo e me aproximando de Lucius de outra forma que não a amizade, fui percebendo outras coisas.

Luke, obviamente, era bem mais velho que eu. Minhas mais jovens lembranças incluíam um Lucius Landon já adulto. Apesar de ser o mais novo dos irmãos, ele não era um lobisomem jovem. Robert já era acasalado com Arabella quando cheguei. Ainda pequena, vi Alexander acasalar com sua companheira, Pearl. Faltava somente Lucius. Sua mãe, Gwyneth, parecia querer que seu filho encontrasse alguém especial também, mas queria mais ainda vê-lo feliz. Não se importava se demorasse mais algumas décadas para a pessoa certa aparecer.

Octavian, por outro lado...

Lembrava-me vagamente de, ainda pequena, ouvi-los discutindo dentro do escritório do Letum. A porta estava encostada, mas era possível enxergar através de uma pequena fresta que havia ficado aberta. Eu estava brincando sozinha, como muitas vezes fazia, pelos corredores da casa do Letum e, como qualquer criança, não poderia ser culpada por minha curiosidade.

ValenteOnde histórias criam vida. Descubra agora