V - [Revisado]

1.2K 116 23
                                    


Scarlet


Eu podia quase dizer que estava feliz. Certamente eu parecia feliz para qualquer um que não me conhecesse tão a fundo. Sem dúvidas Becca perceberia, se estivesse aqui.

Eu estava vivendo a vida que sempre quis viver, isso eu não podia negar. Estava tendo contato com a minha cultura, com meu povo. Eu me sentia como nunca me senti antes. Integrada. Todos aqui me queriam aqui, me davam boas-vindas de braços bem abertos.

Eu estava cada vez mais em sintonia com minha espécie, com quem eu realmente era. Com quem eu literalmente havia nascido para ser. Eu nunca soubera nem metade das novas coisas que estava aprendendo. Já fazia alguns dias que eu me reunia, desde cedo, com os outros Selvagens em um parque da cidade. Lá era um lugar bom pois, segundo eles, era sempre essencial para um Selvagem estar em constante contato com a natureza. Eu sempre havia gostado das minhas corridas e caçadas como raposa, mas precisava passar ainda mais tempo ao ar livre do que passava anteriormente.

Todos lá eram muito simpáticos e tinham a maior paciência em me ensinar. Eu, como era de se esperar, não sabia de absolutamente nada. Eles me ensinavam uma imensidão de coisas. Desde o passado de nossa espécie, até técnicas de meditação. Tínhamos momentos específicos apenas para ficarmos mais próximos dos espíritos da natureza e, às vezes, até saíamos para explorar juntos. Estava sendo uma experiência incrível.

Entretanto, apesar de tudo de bom que estava acontecendo em minha vida, eu ainda me sentia mal. Apesar de estar integrada com meu povo, aprendendo as coisas que, por direito, deveriam ter sido ensinadas a mim desde o berço, eu me sentia dessa forma.

Aquela sombra ainda pairava sobre mim.

Desde que eu havia saído do meu quarto de hotel que dividia com Riley, estava me sentindo assim, perseguida. Não era a primeira vez que acontecia. Sempre – e eu digo sempre – que eu estava sozinha, a impressão que me dava era a de que eu não estava sozinha de fato. No começo eram coisas mais bobas, uma luz falhando, uma porta rangendo e se abrindo levemente... Coisas que eu insistia em ignorar e dispensar como algo tolo. A cada novo dia, porém, os sinais tornavam-se mais intensos. O ar parecia estar mais pesado quando eu saía da companhia das pessoas, sinais quase impossíveis de se ignorar.

Eu tentava ao máximo não me amedrontar. Eu era uma Selvagem! Era capaz de tantas coisas a mais do que eu jamais sonhara! Mas era extremamente difícil fingir que esses fenômenos, que eu não sabia explicar, não estavam me afetando.

Eu estava a caminho do apartamento de Fernando, um dos meus novos amigos Selvagens, para uma pequena reunião com a população jovem de Selvagens da cidade. Seu apartamento era a apenas cinco quadras do hotel, por isso decidi ir andando naquele fim de tarde. Contudo, ao andar a primeira quadra, eu já me sentia amargamente arrependida, devido a essa sensação estranha que me perseguia. De qualquer maneira, qual desculpa eu poderia dar para pedir para um deles vir me buscar, ou para Riley me acompanhar? Pior ainda, para chamar um táxi para uma distância tão insignificante? Não havia uma desculpa plausível sequer, por isso continuei meu caminho apreensiva, segurando minha respiração.

As ruas estavam pouco movimentadas, o que me deixava mais incomodada. Eu tentava dar passos largos e rápidos para chegar logo ao apartamento sem parecer uma louca correndo desenfreada pelas ruas.

Havia chovido durante aquela tarde, o que, honestamente, era uma bênção. Era extremamente quente aqui, então uma chuvinha para refrescar era muito bem-vinda. Acho que a coisa que eu mais sentia falta de casa era meu ar-condicionado. No hotel até tinha, mas na rua e nos outros estabelecimentos você tinha de se contentar com um ventilador. Devido à recente chuva, a rua e as calçadas, portanto, estavam cheias de poças d'agua.

ValenteOnde histórias criam vida. Descubra agora