XXI - [Revisado]

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Scarlet


O sol do interior mexicano batia em minha pele dourada. Após tanto tempo já longe de casa – e mesmo assim não completamente acostumada com o calor – a Scarlet branquela de antes se tornara uma Scarlet bronzeada. Até mesmo meu cabelo havia dado uma clareada, após tanto tempo à mercê do sol escaldante. Meus cabelos, que alguns descreveriam como castanho avermelhado, antes, em ambientes escuros, alguns poderiam confundi-lo realmente com castanho. Agora, porém, não era apenas no sol que meu cabelo brilhava com uma cor viva, tudo graças ao grande astro que iluminava-nos de dia, e fazia as noites igualmente acaloradas. Bem mais próximos da linha do Equador do que em Ohio, era incabível você sair de casa em algo mais que uma regata.

Sempre vínhamos para o interior quando queríamos sair um pouco da teoria e ir à prática. Os outros estavam acostumados, mas levou algumas vindas para eu conseguir me adequar completamente. Era ainda mais quente do que a grande cidade, pelo simples fato de que aqui não havia um lugar sequer que tivesse acesso ao ar-condicionado. Tínhamos de nos contentar com ventiladores, sem falar que passávamos praticamente todo o tempo à céu aberto.

Mesmo assim era maravilhoso. Não havia jeito melhor de desligar-se de todo o resto e conseguir respirar fundo, livrar a mente, e apenas absorver os sons e cheiros da natureza ao nosso redor. A natureza pura e não tocada pelo homem. Precisávamos, mais do que qualquer outra espécie de sobrenatural, desse contato frequente com os quatro elementos e com completa paz de espírito.

Percebi, em pouco tempo, que se eu tivesse permanecido em Columbus, por mais áreas verdes que tivesse, não iria nunca conseguir amadurecer como alguém de minha espécie deveria. Precisaria, no mínimo, mudar-me para o interior do estado, algum lugar em que eu pudesse estar em paz e sem resquícios negativos da humanidade. Um local em que, portanto, eu conseguiria entrar em harmonia com os espíritos da natureza locais.

Justamente por conta disso o senhor Gutierrez era dono de uma vasta fazenda. O intuito da fazenda não era, por si só, a agropecuária ou lucros de qualquer maneira. Porém, era uma consequência que ajudava a beneficiar a tribo de Selvagens da região. O real motivo por trás da fazenda de Gutierrez, era ter um vasto espaço em que toda a tribo poderia se reunir, quando quisesse, para explorarem os limites de suas capacidades e de suas experiências espirituais. Tanto pela questão do afastamento do barulho, da poluição e da correria, quanto de olhos curiosos e publicidade não desejada.

Sempre que um dos meus novos amigos vinha visitar a fazenda, eu fazia questão de fazer a viagem junto. Mas, como nas outras vezes, minha tarefa era ficar mais isolada para conseguir meditar melhor e tentar estabelecer uma conexão com algum novo espírito da natureza que achasse que eu estivesse preparada para assumir uma nova forma. Falavam para mim que, depois que o Selvagem ficava mais habituado a visitar o mundo espiritual e interagia com os espíritos lá, e também quando conseguia submergir-se no mundo espiritual sem a ajuda das ervas especiais, o processo de se encontrar em outro ser vivo – como chamavam a obtenção de uma nova forma física – ficava mais acelerado e mais recorrente. Sim, havia um limite para quantas formas conseguia-se, mas esse limite, comumente, era alcançado apenas após o quinto animal. Algumas pessoas conseguiam passar de cinco, mas essa era a média e, de acordo com eles, eu deveria estar próxima de conseguir o meu segundo.

Mas eu estava ficando impaciente. Fazia cerca de um mês que eu havia me mudado para o apartamento de Gabriela, que por enquanto não morava com Fernando, apesar do relacionamento deles estar ficando cada dia mais sério. Não se passava um dia sequer em que eu não me dedicava, ao menos três horas por dia, à meditação e estudos em conjunto.

Para conseguir me sustentar e ajudar Gabriela com os gastos – afinal, só com o fato de ela ter oferecido seu lar para mim eu estava economizando muito se comparado ao hotel em que eu estava hospedada – eu estava oferecendo meus serviços de restauração de motos, mas não da mesma maneira. Poucas pessoas me procuravam em busca de serviços de estética, mas muitas sim de mecânica. Por mais que eu não estivesse habituada a mexer diretamente com a mecânica das motocicletas, eu não era mecânica afinal, algumas coisas eu havia aprendido apenas observando os meus colegas em Columbus. As que eu não conseguia fazer, pedia ajuda a outro Selvagem da tribo que era mecânico, portanto, dividíamos os lucros.

ValenteOnde histórias criam vida. Descubra agora