VIII - [Revisado]

1K 103 49
                                    

Becca


Era como uma névoa, espessa e impenetrável. Era impossível enxergar qualquer coisa, não conseguia organizar meus pensamentos. Era como se eu estivesse à deriva no meio do oceano, o céu noturno refletindo na água, tornando difícil de diferenciar céu de mar, lá de cá. Estava perdida em uma imensidão imensurável.

Mas, depois do que pareceram séculos, como um milagre, consegui discernir certo aroma. Era caloroso e bastante convidativo. Fazia-me querer sair correndo ao seu encontro, de forma desesperadora. Levou-me alguns minutos para enfim conseguir identificar o aroma que tanto me cativava. Costela.

Quase imediatamente após eu conseguir identificar o cheiro que estava me enlouquecendo, senti uma sensação agradável sobre minha pele. Suaves e ritmadas carícias percorriam minha face, eu sabia. Sentia-as percorrendo minhas bochechas, minhas têmporas, tirando meu cabelo de meu rosto... Mãos grandes e quentes davam-me tamanho carinho, fazendo meus sentimentos – sejam eles quais forem – voltarem a mim.

Enfim parecia que eu tinha o que precisava para deixar aquele mundo de escuridão e confusão e, usando uma força tremenda que outrora eu não tivera, abri meus olhos.

Deparei-me com vastas piscinas esverdeadas que me fitavam de forma preocupada. Assim que se deu conta que eu também o olhava, meus olhos castanhos acesos, Mathias perdeu a expressão entristecida para uma mistura de espanto e alívio. Examinei o rosto dele, antes tão familiar, que se ocupava em me analisar de forma incrédula. Sua barba que roçava meu rosto quando nos beijávamos; seus olhos verdes, sempre carregados de paixão e aventura; seu sorriso maroto que fazia até mesmo eu me sentir envergonhada; seus piercings e seus longos cabelos castanhos, uma simples demonstração de sua personalidade.

Para mim, parecia que havia se passado décadas desde a última vez em que eu o vira.

E então lembrei-me de fato da última vez em que estive com ele. Uma rede de prata caía sobre mim, queimando-me a cada toque. Eu uivava, mordia, tentava desesperadamente me soltar, até me dar conta de que meu parceiro de aventura corria para salvar a própria pele. A visão do lobo negro de Mathias, olhando para trás enquanto fugia daquela ruela em Las Vegas, estaria sempre cravada em minha memória. Era algo irreparável.

Eu ainda conseguia notar todos os fatores que me fizeram cair por Mathias, mas também conseguia afirmar que não era mais tão afetada por ele quanto antes. Mathias já não causava aquele efeito que me fazia orbitar ao redor dele. Apesar de eu ainda me sentir atraída por ele, conseguia perceber que não era uma ligação tão forte quanto minha loba tinha sentido.

Minha... loba.

Como um trovão, a realização de que eu e minha loba não estávamos juntas quase me fez regredir ao meu estado anterior. Meus pensamentos ecoavam no vazio de meus pensamentos. As lembranças do maldito cientista e médico vampiro – meu ex-cunhado – Howard Holland, sacudiram-me como um tornado. As imagens passavam vívidas pela minha cabeça. Eu enjaulada, sendo sempre que possível sedada ou atiçada com ferramentas de prata, até que finalmente fui levada para o centro cirúrgico, onde perdi minha consciência vendo o rosto do miserável Howard se aproximando de mim, triunfante. Minha metade loba, em nossos últimos momentos juntas, recitava para mim o quanto me amava, o quanto havia apreciado nosso tempo juntas, e o quanto iria fazer sofrer todos os responsáveis caso sobrevivêssemos.

Sentei-me na cama num piscar de olhos, como Drácula saindo do caixão ao sentir cheiro de sangue, assustando Mathias que ainda me admirava.

– Rebecca! V-você está bem? Tem certeza de que está em condições de fazer movimentos tão bruscos? Está tonta? Eu vou chamar os médicos-

ValenteOnde histórias criam vida. Descubra agora