Becca
Eu não aguentava mais aquela situação. Estava com uma sensação de que nós duas havíamos feito tudo errado, o que me fazia sentir péssima pelo modo como reagíramos e o que havíamos feito desde então. Ou então deixado de fazer.
Naquele momento, corríamos pela nossa floresta, que a cada vez se tornava mais um santuário para nosso pensamento e reflexão. Becca havia decidido se retrair e deixar-me no controle. Ela estava fazendo isso bastante nas últimas noites, desde nosso confronto com Aidan. Era sua forma de pedir desculpas e eu aceitava, pois sabia que assim ela conseguia ouvir muito bem meus pensamento e sentimentos, sem ter a opção de ignorá-los como fizera durante a discussão. Rebecca sabia como eu me sentia, e sabia que eu estava prestes a forçá-la a fazer algo a respeito.
Eu tinha completa ciência de que ela também não estava satisfeita com a situação. Eu reconhecia que havia acontecido tudo muito rápido e, como dividia a mente com ela, entendia os fatores que mais faziam-na hesitar. Porém, o que me confortava e me impedia de simplesmente tomar o controle e ir atrás do lobo de Aidan era que Becca também queria arrumar as coisas tanto quanto eu. Mas Becca, ao contrário de mim, estava com receio de dar o passo além e ver no que iria dar se ela tentasse se desculpar. Estava com medo do resultado.
Ela se agitou em minha mente, zangada por eu estar pensando isso dela. Mas era a verdade. Dessa vez, quem estava sendo orgulhosa era ela. Ou, no mínimo, medrosa, e a minha função nos últimos dias era de lembrá-la de que ela nada temia.
Não havia temido seu ex-namorado vampiro, criatura secular, quando havia acabado de se transformar. Não havia temido Elizabeth Roman e seus capangas. Não havia temido enfrentar Maxwell Kentner. Algumas dessas empreitadas não haviam acabado bem, por culpa nossa ou não. Mas a verdade permanecia de que ela encarava seus problemas sem oscilar, então por que se castigar; por que temer o que poderia vir a seguir?
Ao longo da extensa trilha na floresta, feita pela ação natural de nossos lobos quando caçávamos, mantive minha mente livre de qualquer outra preocupação e repassava essas informações para ela. Tentei fazê-la entender que, se algo desse errado, ela não seria a única a sofrer. Eu também sofreria. Mas juntas éramos fortes, podíamos nos apoiar uma na outra e sobreviveríamos, como sempre sobrevivíamos.
Finalmente tendo terminado a caminhada até o topo da montanha, forcei a transformação de volta à humana, para ver se Becca concordava e compreendia o que a gente precisava fazer. Para ver se ela, de uma vez por todas, parava de ignorar-me, e ignorar os sinais que ela mesma demonstrava, mas dispensava como algo de menor importância. Sim, já havia sido eu a ignorar esses mesmos sinais antes, e eu admitia minha culpa. Mas agora estava na vez de ela enxergar e de se arriscar por nós duas.
A familiar dor veio, mas ambas nossas mentes estavam ocupadas demais em assuntos maiores para notar muito a dor da transformação, já amenizada desde que entramos para a alcateia. Após nossos pelos terem sido substituídos por pele, nossos ossos lupinos por ossos humanos, e nossos olhos mudarem de cor, trocamos o controle.
– Você não vai me deixar em paz, vai? – perguntei à loba, suspirando e me deitando na grama úmida da madrugada.
'Não é uma questão de te deixar em paz. As coisas não podem ficar assim.' – Bexi argumentou. Nos últimos dias ela me infernizava dia e noite, mas confesso que a compreendia e, até, fazia-me sentir bem. Quando ela ficou em completo silêncio após minha briga com Aidan, fiquei com um sério medo de ela não querer voltar. De eu ter cometido algum erro irremediável a nossa relação. Temia a ter perdido novamente, de uma forma diferente.
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Valente
Werewolf"Eu era um espectro, um espírito, e esse motivo sozinho já deveria me convencer de que eu estava no lugar errado. Eu não pertencia aqui, não sozinha. Eu queria lutar, precisava lutar, mas a cada dia que se passava eu percebia mais o quanto eu estava...