Scarlet
Tive que me lembrar de como se respirar.
Eu não conseguia acreditar em meus olhos, simplesmente não conseguia. Não conseguia acreditar no meu tato, na própria palma da minha mão, que repousava sobre seu ombro. Rebecca estava ali, na minha frente. Estava sob meu toque, respirando, olhando para mim. Só consegui sair de minha breve paralisia quando, por fim, ouvi sua voz.
– Scarlet? Como você está aqui? – perguntou-me, parecendo ao mesmo tempo aliviada e alarmada. – Eu jurava que estava presa aqui para sempre. Não me diga que você – Vi-a engolir em seco. – Que você também morreu?
Morrido também? Mediante esta pergunta, tive que me esforçar para quebrar meu silêncio.
– Becca, eu não estou morta – tentei tranquilizá-la com um abraço. – Você também não está.
– Como não estou? – indagou e, ao nos soltarmos do abraço, vi seus olhos ficando marejados e sua voz quebrando. Ela estava obviamente abalada pelo lugar. Apesar de ser magnífico, para ela, estar aqui significava algo indizível. – Todos que aqui estão são espíritos de pessoas mortas, Scarlet. Os peixes no lago estão mortos, os cervos nos bosques estão mortos, até os malditos mosquitos deste infernal lugar estão mortos!
Puxei-a para mais um instintivo abraço, dessa vez mais demorado. Ela precisava do conforto e eu precisava do toque de minha amiga há tanto tempo perdida.
– É um fato, Becca, que você está viva. Entendo como deve estar se sentindo, estando cercada de espíritos, mas seu corpo humano está sob os cuidados do irmão médico de Luke. Tenho certeza de que nada de ruim teria acontecido sob os cuidados dos médicos de Robert.
– Meu corpo humano? Como assim? – gaguejou.
A realização veio como um choque para mim. Ela não sabia. Não sabia de nada que lhe acontecera desde o momento que o deplorável Howard a havia cortado e feito sua cirurgia.
– Enquanto caçávamos Elizabeth Roman, – expliquei, dando-me até um mal-estar em relembrar o ocorrido – um de seus cúmplices fez uma cirurgia em você. Desde então seu corpo tem estado em coma e, bem, sua loba tem vivido como um espectro – pausei, analisando o turbilhão de emoções que eram demonstradas por sua expressão. – É difícil de explicar.
– Minha loba... – Seus olhos marejados brilharam ainda mais.
– Está bem – prontifiquei-me a esclarecer. – Ela está bem e sob os impecáveis cuidados de Aidan, não tem de se preocupar quanto a isso. Seu corpo também está em ótimas mãos. Robert e sua equipe sabem o que estão fazendo. Ele é o melhor, você sabe, portanto certamente tem os melhores assistentes.
– Aidan... – Sua voz saiu mais baixa que um sussurro, de forma contemplativa. Era como se ela havia acabado de acordar de um longo sono, como se havia acabado de se lembrar dele.
Eu não fazia a mínima ideia do que o mundo espiritual fazia em espíritos ainda vivos, que não fossem Selvagens, por isso não queria deixá-la aqui por muito mais tempo.
– Becca, eu estive treinando justamente para conseguir, de alguma forma que eu ainda não sei ao certo, juntar seu corpo com sua loba novamente. Honestamente não esperava encontrar você aqui, seu espírito humano, mas é apenas mais uma tarefa que preciso fazer. Preciso dar um jeito de te tirar daqui.
– Mas algo não está certo, Scar.
– Rebecca-
– Escute, por favor. – Ela pôs as mãos na cabeça, sofrendo uma tontura repentina. – Ai. Só a própria ideia de deixar esse mundo... Há apenas alguns minutos eu daria qualquer coisa para sair! Mas desde que você chegou sinto que também tenho algo a fazer aqui.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Valente
Werewolf"Eu era um espectro, um espírito, e esse motivo sozinho já deveria me convencer de que eu estava no lugar errado. Eu não pertencia aqui, não sozinha. Eu queria lutar, precisava lutar, mas a cada dia que se passava eu percebia mais o quanto eu estava...